Liga das escolas de samba recebe carta protesto


Leia na integra a carta que artistas, intelectuais e entidades negras entregaram hoje a liga das escolas de samba sobre a fala desrespeitosa com a comunidade Negra do presidente da escola de samba X9 Paulistana “Mestre” Adamastor.

À
LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA DE SÃO PAULO Ilmo. Sr. Presidente Sidnei Carriuolo


O coletivo pela criação do Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas, tem o objetivo de ser um movimento multidisciplinar de igualdade racial, de gênero, de classe e, principalmente, da preservação da cultura das matrizes negro-africanas nas escolas de samba da cidade de São Paulo, de caráter fiscalizador, consultivo e propositivo.
Por meio de seus representantes abaixo assinados e com o apoio de órgãos e instituições que atuam na promoção da igualdade racial, com ênfase na população negra e na cultura afro-brasileira, diante dos fatos que atingiram duramente a integridade do patrimônio cultural material e imaterial negro, que representam as Escolas de Samba, vem requerer junto à Liga das Escolas de Samba e São Paulo, a manifestação pública da decisão das “medidas cabíveis internamente” tomadas em relação ao presidente da Escola de Samba X-9 Paulista, Reginaldo Tadeu Batista de Souza, conhecido como Mestre Adamastor, que na noite de 19 de fevereiro, na área da concentração do Sambódromo do Anhembi foi autor de fala considerada racista, banalizando um gesto de alta simbologia e unidade para o movimento antirracista, marco da luta e resistência do povo preto na diáspora e contra toda e qualquer injustiça social. Fato que foi amplamente divulgado pela mídia.
Consideramos que este episódio lamentável expôs a comunidade do samba da cidade de São Paulo e marca o carnaval de 2023, como o ano em que o racismo estrutural evidenciou as consequências do processo de dominação que há muito tempo tem tirado o protagonismo da população negra da festa no Sambódromo. Ficou evidente que os detentores do poder e da gestão do carnaval estão contribuindo para o apagamento da verdadeira história e da função social das escolas de samba como rede de sociabilidades, territórios onde negros e negras resistiram, enfrentando toda sorte de violências e perseguições para manter suas heranças negro africanas e constituir organizações que por muito tempo foram criminalizadas e condenadas pela elite branca e racista.
Hoje, a festa das escolas de samba paulistanas só pode ser saboreada através das telas da maior emissora de televisão do país e celebrada por milhares de espectadores nas arquibancadas do Sambódromo porque na sua origem teve muito choro, suor e axé de famílias negras, que não abriram mão de fazer florescer, desde a época dos cordões, organizações como Grupo Carnavalesco Barra Funda, Cordão Fio de Ouro, Cordão Vai- Vai, Cordão Camisa Verde e Branco, Escola de Samba Lavapés, Escola de Samba Unidos do Peruche, Escola de Samba Morro da Casa Verde, Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, Escola de Samba Vai-Vai, Escola de Samba Barroca da Zona Sul, entre outras tantas que são testemunhas da raiz negra que sustenta a história do samba paulista. Homens e Mulheres que deixaram de ser protagonistas para assistirem suas memórias em risco de se apagar. Sabemos que a causa dessa ameaça está no avanço do processo de

embranquecimento da gestão das escolas de samba e da festa dos desfiles do carnaval. Um processo muito bem explicado pela filósofa e intelectual negra, Sueli Carneiro, através do conceito de epistemicídio.
Ratificamos nossa preocupação com outro fenômeno prejudicial ao processo histórico da cultura afro-brasileira que se tornou recorrente no meio, que é o “pacto narcísico no
Por entendermos nosso compromisso ancestral, no qual as transformações não podem servir de argumento para apagar as tradições, atuaremos em defesa dessa cultura certos de que o passado sempre nos ajudará a enfrentar o presente.
Apresentamos abaixo a nossa pauta de reivindicações:

  1. Reconhecimento do Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas ao constituir uma agenda de cooperação técnica e profissional que atue como um grupo independente de caráter fiscalizador, consultivo e propositivo na formação, reciclagem e preparação de presidentes, diretores, gestores e julgadores dos desfiles das escolas de samba de São Paulo,
    carnaval das escolas de samba de São Paulo”, assim como nos apontam os estudos da
    Dra. Cida Bento, quando observamos o “embranquecimento da gestão” das agremiações
    e da estrutura que detém o poder sobre a organização da festa, privilegiando pessoas
    brancas e o afastamento de pessoas negras, o que configura a apropriação cultural, um
    dispositivo do qual se vale o racismo sistêmico.
    como política de ações afirmativas, de defesa e preservação das tradições
    afro-brasileiras da origem das escolas de samba paulistanas;
  2. Que a Liga das Escolas de Samba de São Paulo desenvolva um Programa de
    Comunicação e Educação do Patrimônio Histórico e Cultural Negro das escolas de
    samba, fornecendo informações, conteúdos e eventos para comunidades das escolas de
    samba paulistanas, com temas sobre relações étnico-raciais, diversidade, inclusão,
    questões de gênero, orientação sexual e religiosidades;
  3. Que seja incluída no Regulamento a penalidade máxima (perda de pontos e/ou
    banimento) e responsabilização criminal para pronunciamentos, comportamentos e atos
    de racismo, intolerância religiosa, machismo, homofobia, etarismo, xenofobismo e
    qualquer tipo de discriminação;
  4. Que se abra o debate sobre a “camarotização” do carnaval que desrespeita o espetáculo
    dos sambistas e o investimento do público das arquibancadas, promovendo um apartheid,
    quando grandes empresas oferecem grandes shows e eventos de alto custo, durante a
    passagem das escolas de samba, que se tornam secundárias, quando na verdade são
    protagonistas da festa. Que haja negociação com as empresas e patrocinadores, que limite
    horários de shows com atrações ao vivo;
  5. Que a Liga das Escolas de Samba de São Paulo apoie e atue na regulamentação da
    função do “empurrador de carros alegóricos”, que tem sido exercida por uma maioria de pessoas em situação de rua, com destacada atuação de homens e mulheres pretas, que
    vivenciam humilhações na prestação de um serviço cada vez mais precário;
  6. Que seja observado no processo de seleção dos julgadores contratados, a equidade e
    igualdade de oportunidade dos profissionais, promovendo um equilíbrio em relação à raça
    e gênero, passando exigir como requisito experiência ou vivência profissional com
    samba, escolas de samba e carnaval.
    São Paulo, 27 de fevereiro de 2023
    Membros do Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas:
    Adriana Terra – Jornalista, Mestra e doutoranda em Filosofia pela FFLCH-USP, professora e ritmista.
    Claudia Alexandre – Jornalista, Apresentadora de Rádio e TV, Mestre e Doutora em Ciência da Religião, sambista, escritora e pesquisadora de sambas, escolas de samba e tradições de matrizes africanas. Integrante da Cojira-SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato de Jornalistas do Estado de São Paulo).
    Bruno Baronetti – Professor, Doutor em História, escritor e pesquisador de cultura popular brasileira
    Moisés da Rocha – Radialista e apresentador do programa O Samba Pede Passagem (Radio USP FM)
    Thobias da Vai-Vai – cantor, sambista, presidente de honra da Escola de Samba Vai- Vai; presidente de honra da Faculdade Zumbi dos Palmares
    Lyllian Bragança – Sambista, Passista do Carnaval Paulistano há 25 anos. Em 2020 fundou o Coletivo Samba Quilomba, com o propósito de falar da história do carnaval, além de abordar temas como: racismo, machismo e homofobia. É jornalista e nos últimos 5 anos têm pesquisado sobre o carnaval. Escreveu para o Jornal Notícias em Português de Londres; Revista Sampa; e Matraca Cultural. Faz parte da Associação de Cultural e Educacional do Samba de Londres (Samba de Bamba).
    Maitê Freitas – Jornalista, Mestre em Estudos Culturais. Idealizadora do Projeto Samba Sampa e coordenadora da Oralituras Editora.
    Juarez Xavier – Ativista antirracista, possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990), mestrado – Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina: comunicação e cultura – Universidade de São Paulo (Prolam/USP, 2000) e doutorado – Programa de Pós- Graduação em Integração da América Latina – Universidade de S. Paulo (Prolam/USP,

2004). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, e Vice-Diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design [Faac/Unesp/Bauru] e do Fórum das Vice-Direções da Universidade Estadual Paulista.
Osvaldo Faustino – É jornalista desde 1976, além de escritor e estudioso de relações étnico-raciais. Atuou como repórter em rádio, TV, revistas e vários jornais, como Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, e como editor de Cultura do Diário Popular. É coautor (com Aroldo Macedo) dos livros A cor do sucesso (Gente, 2000), Luana, a menina que viu o Brasil neném (FTD, 2000), Luana e as sementes de Zumbi (FTD, 2007) e Luana, capoeira e liberdade (FTD, 2007) e dos gibis Luana e sua turma (Editora Toque de Mydas). É autor dos livros Nei Lopes da coleção Retratos do Brasil Negro, e A legião negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932 ambos editados pela Selo Negro Edições. Colaborador da revista Raça Brasil desde sua criação.
Tadeu Kaçula – Sambista, Sociólogo, Mestre e Doutorando em Mudança Social e Participação Política (USP), membro do Grupo de Estudos Latino Americano sobre Cultura e Comunicação (CELACC-USP), Escritor, Especialista em Cultura Afro Brasileira, Comentarista do Carnaval pela GloboNews, Portal Terra e Rádio CBN.
Rede de Apoio:
Associação Nacional da Advocacia Negra do Brasil Comissão da Igualdade Racial OAB.SP
COJIRA-SP – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo
Conselho da Comunidade Negra do Estado de São Paulo
EDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes de São Paulo Universidade Zumbi dos Palmares
UNEGRO – União de Negras e Negros Pela Igualdade
Gabinete Parlamentar da Deputada Leci Brandão
IDAFRO – Instituto de Defesa das Tradições Afro-brasileiras
NFNB – Nova Frente Negra Brasileira
UNAFRO – Universidade Afro-brasileira
Coletivo Acadêmicas dos Sambas
PROCON Racial SP

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