Lisboa: uma negra no poder

Com Portugal, encerro a série de artigos que escrevi nestas férias. Mais do que falar de países europeus por onde passei, principalmente cidades como Barcelona, Viena, Lisboa, entre outras, ou roteiros turísticos de pessoas do mundo inteiro, quis falar do que vi em termos de atendimento ao estrangeiro.

Avaliei a diversidade e inclusão desses lugares, mas, acima de tudo, quis testar o tratamento e a recepção a um brasileiro negro e muito atento a aspectos relacionados às discriminações, tema do meu trabalho há mais de 30 anos.

Em geral, nos lugares por onde passei, pude perceber uma boa receptividade, lembrando que, na posição de turista, e não de imigrante que vai “roubar” um posto de trabalho, tive um tratamento provavelmente diferenciado em alguns desses lugares.

Não vivenciei nenhum tipo de discriminação. Pelo contrário, em todos os locais, tive um atendimento razoável, e olha que cheguei até a acompanhar uma manifestação contra imigrantes na Alemanha, mas tudo dentro de uma certa ordem, normalidade e respeito.

Mas uma coisa me chamou atenção por algumas cidades por onde passei: o grande número de imigrantes trabalhando no comércio local, como os paquistaneses nos serviços de táxi em Barcelona, os brasileiros e africanos de língua portuguesa nos serviços em Portugal, portugueses em Luxemburgo e assim por diante.

Para entender este contexto, e o crescente número de imigrantes, seja pedindo exílio político, seja procurando novas oportunidades, fugindo da fome e de guerras, tive uma verdadeira aula com a única deputada negra no Parlamento português, Romualda Maria da Conceição Martins Nunes Fernandes, do Partido Socialista (PS), integrante da comissão que cuida exatamente da área de imigrantes no país.

A entrevista foi longa, mas a fala da parlamentar evidencia a complexidade da questão imigratória do Velho Continente. Fui logo perguntando sobre as manifestações contra imigrantes na Europa e como a deputada via o fenômeno cada vez mais presente.

“Existem duas questões que precisam ser olhadas neste contexto da imigração, principalmente, vinda da África. Primeiro, isso não começou agora. Foram os europeus que, quando terminou a Segunda Guerra Mundial, buscaram a mão de obra dos imigrantes para vir para cá, para reconstruir a Europa. Eles precisavam desta mão de obra para levantar tudo o que havia sido destruído com a guerra”, respondeu a parlamentar.

Pergunto, então, sobre o outro motivo. “A segunda questão é a imigração atual, que é econômica. Muitas pessoas vêm para cá por melhores condições de vida e salários, e ocupam lugares que estão vagos, no caso de Portugal, porque muitos portugueses vão para outros países da União Europeia, onde os salários e oportunidades são melhores”, aponta a deputada.

“Não podemos esquecer também que a população aqui, assim como na França, Itália, Espanha, entre outros, está envelhecida, e alguém tem que trabalhar para pagar a Previdência dos mais velhos, senão ela quebra. O que posso dizer é que o imigrante hoje é um importante elemento na economia europeia”, completou.

Outra questão colocada para ela foi a perda de talentos em alguns países, como o Brasil, onde pessoas altamente capacitadas muitas vezes vêm para a Europa para ocupar vagas de trabalho de pouca expressão intelectual e educacional. A parlamentar respondeu que este também é um problema para Portugal, que forma grandes profissionais, inclusive em áreas estratégicas, como medicina.

“Depois que o Estado investir anos nesses talentos, eles vão para outros países europeus, muitos na Comunidade Europeia, ganhando melhor do que ganhariam aqui”, acrescentou. “É o caso do país que o senhor conheceu, Luxemburgo, que é um local atrativo pelos seus altos salários.”

A entrevista com a deputada Romualda foi longa, assim como sua experiência de muitas legislaturas na cadeira de única parlamentar negra portuguesa. A mulher que chegou criança da Guiné Bissau e se formou em Paris, hoje aos 69 anos, consegue ser uma inspiração para a juventude negra de Portugal.

É um exemplo de inclusão, em um espaço ainda muito restrito para pessoas negras, principalmente se forem mulheres e estrangeiras. A presença no Parlamento e em outras instâncias de poder em Portugal, apesar da grande população negra ser cada vez maior na capital, ainda é um desafio.

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