Livro de 1978, de Oswaldo de Camargo, ganha edição revisada
Referência da literatura brasileira, “A descoberta do frio” evidencia o racismo que faz pessoas negras desaparecerem. Edição revisada pelo autor, sai pela Companhia das Letras e conta com ilustrações de Kika Carvalho
A potência da obra – que se tornou referência na literatura brasileira e nas estantes de estudiosos, leitores vorazes e uma multidão de ativistas, especialmente do movimento social negro, já tinha sido anunciada na primeira edição, quando o também intelectual negro Clóvis Moura (1925-2003) afirmou que, com o livro, Oswaldo de Camargo assume “uma posição de denúncia e, ao mesmo tempo, de reelaboração estética de um conflito social, político, cultural e étnico”.
Ignorado, o protagonista Zé Antunes usa todos os argumentos e artifícios que pode para tentar alertar a população sobre o perigo que estava por chegar. Contudo, seus apelos são recebidos com indiferença. Para além da narrativa envolvente, da escrita provocativa, o livro entrega muitos recados, todos atuais, mesmo após 45 anos de sua primeira edição.
Oswaldo de Camargo, que segue ativo e produzindo muito, extrapola a ficção com esses e outros escritos. A nova edição da obra é também uma oportunidade para que leitores e, especialmente, editoras possam conhecer e reconhecer autores como ele, que não se abstêm de fazer uma crítica social contundente, enquanto entregam uma literatura de altíssimo nível.
O autor tem se mostrado animado com a possibilidade de publicar, mais uma vez, por uma editora grande. Antes da Companhia das Letras, ele já tinha publicado pela editora Martins Fontes.
“Chegando a uma idade que para o brasileiro é bastante avançada, eu tenho uma das maiores alegrias da minha vida, como escritor negro, de ser publicado pela Companhia das Letras. Eu confesso que não tinha muita esperança que um autor negro, um dia, tivesse a atenção da Companhia das Letras”.
A publicação revisada pela Companhia das Letras é parte dos esforços anunciados pela editora em 2020, quando fez um pronunciamento reconhecendo a existência do racismo em sua operação e no nicho de mercado que atua. Naquele momento, a empresa se comprometeu a colocar em curso um conjunto de ações de enfrentamento ao racismo e promoção da equidade. Entre elas, estão uma série de projetos por mais diversidade no catálogo da editora, com autores estreantes ou já conhecidos do público, como Oswaldo de Camargo.
Oswaldo de Camargo
Nasceu em Bragança Paulista (SP), em 1936. Foi revisor do jornal O Estado de S. Paulo, redator do Jornal da Tarde, diretor de cultura da Associação Cultural do Negro e um dos principais colaboradores de periódicos da imprensa negra. Dele, a Companhia das Letras publicou “O carro do êxito”, “30 poemas de um negro brasileiro” e “A descoberta do frio”.
- Um homem tenta ser anjo. São Paulo: Supertipo, 1959. (poemas).
- 15 poemas negros. São Paulo: Associação Cultural do Negro, 1961.
- O carro do êxito. São Paulo: Martins, 1972. 2. ed. rev. São Paulo: Córrego Editora, 2016. 3.ed. ampl., prefácio de Mário Augusto Medeiros da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. (contos).
- O estranho. São Paulo: Roswita Kempf, 1984. (poemas).
- A descoberta do frio. São Paulo 1978.
- Oboé. São Paulo: COM-ARTE, 2014. (novela).
- Raiz de um negro brasileiro. São Paulo: Ciclo Contínuo, 2015. (autobiografia).
- Luz & breu: antologia poética 1958-2017. São Paulo: Ciclo Contínuo, 2017.
- Negro disfarce. São Paulo: Ciclo Contínuo, 2020. (novela).
- 30 poemas de um negro brasileiro. Prefácio de Florestan Fernandes. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
LANÇAMENTOS
Quando me descobri negra, de Bianca Santana
Bianca Santana, mesma autora de Arruda e Guiné (2022) e Continuo preta: A vida de Sueli Carneiro (2021), lança agora edição revisada e ampliada de “Quando me descobri negra”, pela Fósforo Editora.
No livro, Bianca Santana (@biancasantanadelua) revisa sua trajetória de autorreconhecimento e aceitação, mesclando trechos autobiográficos à história recente do país com pinceladas de ficção, ela narra sua passagem por um processo complexo de letramento racial, aceitação do corpo e reconhecimento familiar.
Com a frase “Tenho trinta anos, mas sou negra há dez”, a autora inicia essa jornada que há tempos vem ajudando pessoas negras a se aceitarem e pessoas brancas a compreenderem o papel que podem desempenhar na luta antirracista.
Banzo e Afetos, de Terezinha Malaquias
Publicado, neste ano, pela Páginas Editora, “Banzo e Afetos”, de Terezinha Malaquias (@terezinhamalaquias) apresenta em 94 páginas, um olhar da autora sobre a experiência da pandemia. Terezinha Malaquias vive na Alemanha, desde 2008 e em alguma medida, certamente, o sentimento de “falta de lugar” se mostra presente.
O termo “banzo”, que dá título ao livro, aqui é entendido como o termo com que pessoas escravizadas no Brasil se referiam ao sentimento de falta do seu lugar de origem. Dividido em três partes, o livro entrega crônicas, contos e poemas, com questões de cunho pessoal e coletivo, ambientada no contexto pandêmico. Outro ponto são as implicações sociais e subjetivas, o processo de resistência e renascimento por meio do reencontro com a ancestralidade, o afeto e o desejo de vida.
A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr
Lançado neste ano pela Editora Fósforo, no Brasil, o livro de Mohamed Mbougar Sarr, se inspira numa história verídica para construir um romance de formação e de aventura que.
No livro, Diégane Latyr Faye, um jovem escritor senegalês, descobre em Paris um livro mítico publicado em 1938: O labirinto do inumano. Seu autor, o misterioso T.C. Elimane, desapareceu sem deixar vestígios depois que uma escandalosa acusação de plágio mobilizou a comunidade literária francesa dos anos 1940. Fascinado, Diégane inicia então seu percurso atrás do “Rimbaud negro”, enfrentando as grandes tragédias do colonialismo e do holocausto. Sem nunca perder o fio dessa busca que se apodera de sua vida, Diégane frequenta um grupo de jovens autores africanos radicados em Paris: entre noitadas de discussões, bebedeiras e sexo, eles se interrogam sobre a necessidade da criação a partir do exílio.
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