Revista Raça Brasil

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Luighi, lágrimas e conivência da imprensa com o racismo

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Emiliano José

Paulista radicado na Bahia, jornalista, escritor, e imortal da Academia de Letras da Bahia. Formado em Comunicação, Mestre e Doutor. Tem histórica militância política, desde o combate à ditadura militar (1964-1985), como integrante da Ação Popular (AP), passando pelo exercício de mandatos como deputado estadual pelo PMDB-BA (1988-1989), vereador de Salvador pelo PT-BA (2000-2002), deputado estadual (PT-BA) de 2003 a 2005, e deputado federal também pelo PT de 2009 a 2011. Elegeu a defesa das religiões de matriz africana como prioridade e presidiu a Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente (CECAD) da Assembleia Legislativa da Bahia (2003 e 2004).

Eu me emocionei, confesso.

Ao assistir ao jovem atacante do Palmeiras, do sub-20, chorando diante de uma agressão racista de que foi vítima no Paraguai.

Primeiro, minha impressão, apenas inicial, sobre o mundo do futebol.

No caso brasileiro, uma paixão.

E não há exagero nisso.

Paixão, o futebol é uma inegável paixão.

Está no mais profundo da alma do povo brasileiro.

Encarna nossa vida.

E nossa história.

Brasil, tudo a ver com futebol.

Ficamos conhecidos, bem conhecidos, com a emergência do Rei do Futebol.

Por um tempo, Pelé foi nosso principal embaixador.

Outra vez: não há exagero.

Não tem muito tempo, Zulu Araújo e eu escrevemos um longo artigo sobre Pelé.

Resgatando-o.

Evidenciando a existência de parcelas da sociedade brasileira impregnadas de racismo, a tentar diminuí-lo.

Nelson Rodrigues, no caso de Pelé, foi muito mais arguto. Lamento constatar: o futebol foi inteiramente dominado pelo capital.

Transformou-se em mercadoria.

Os jogadores, no mesmo pacote.

Alguns me alertarão: a paixão não deixou de existir.

E eu aceito.

Em parte.

Ninguém há de desconhecer a diminuição da paixão pela seleção brasileira.

Porque as cores da seleção canarinho foram, de alguma forma, sequestradas pelo conservadorismo.

E porque jogadores de grande talento, jogando em times de nomeada no exterior, não rendem na seleção um terço do rendimento que têm nos clubes atuais.

E eu não tenho resposta para o fenômeno.

Arriscaria dizer: transformado inteiramente em fonte de enriquecimento, em mercadoria, em área de investimento do grande capital, o futebol brasileiro, de modo aparentemente contraditório, vai se empobrecendo, se burocratizando, tornando-se medíocre a ponto de tomar 4 x 1 da Argentina.

É um grande, monumental negócio.

Parte de um cassino mundial – e não se trata de metáfora.

Futebol e cassino, tudo a ver.

Jogadores, grandes jogadores, passaram a adorar o bezerro de ouro.

Arrisco, novamente.

Gosto de Guimarães Rosa – viver é arriscoso.

Marx, parece uma mistura improvável, estudou por evidência o dinheiro.

E disse uma coisa genial, a valer para o futebol atual. Vou nessa, reduzindo um pouco a citação:

_ O dinheiro rebaixa todos os deuses do homem e transforma-os em mercadoria. O dinheiro é o valor universal de todas as coisas. Roubou, portanto, ao mundo inteiro o seu valor peculiar. O dinheiro é a essência – alienada ao homem. E essa essência estranha domina-o, e ele a adora.

Está no livro Karl Marx: Uma Biografia, admirável trabalho de José Paulo Netto.

Poderíamos parafrasear o velho bruxo e dizer: o dinheiro rebaixa todas as paixões humanas, inclusive o futebol.

Ou cantar com Caetano.

Falar da força da grana “que ergue e destrói coisas belas”.

Volto a Luighi Hanri Souza Santos, o jovem jogador do Palmeiras, onde está desde os 10 anos de idade, nascido em 30/4/2006.

A imprensa o rotula como parte da “Geração do Bilhão do Palmeiras”, ao lado de Endrick, Estevão e Luís Guilherme.

Geração do bilhão.

Devidamente transformados, coisificados em dinheiro.

Valorizadas mercadorias.

No Paraguai, na noite de 6 de março deste ano, Luighi sofreu ofensas racistas cometidas por torcedores do Cerro Porteño.

Um imitou um macaco.

Outro cuspiu nele.

Estupidez.

Ao falar para a imprensa, chorava. Indignado.

Pelas agressões racistas e pela atitude covarde, conivente com o racismo, da própria imprensa.

Perguntava, revoltado, chorando, mais ou menos o seguinte:

_ É isso mesmo? Vocês querem falar de futebol? Não vão perguntar nada sobre as agressões, sobre o racismo de que fui vítima? É sério? Não vão perguntar sobre o racismo?

Um tapa na cara dos jornalistas.

Naturalizavam o racismo.

Quem sabe, concordavam com ele.

As lágrimas dele me comoveram.

O menino da “Geração do Bilhão”, quem sabe daqui a pouco vendido a peso de ouro a um grande clube europeu, como Endrick e Estevão, ainda não havia sido inteiramente tomado pela adoração ao bezerro de ouro.

As lágrimas, expressão de humanidade.

E, tal como Vini Jr., levantava sua voz contra o racismo.

E contra a conivência, o silêncio da imprensa.

Combater o racismo é tarefa de todos nós.

No futebol, um combate essencial, porque envolve milhões de pessoas.

O domínio do dinheiro nesse esporte, a transformação dele em mercadoria, não pode, apesar disso, admitir nenhuma manifestação racista.

Que os exemplos de Vini Jr. e Luighi nos animem nessa luta.

A essencial luta antirracista.

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