Eu me emocionei, confesso.
Ao assistir ao jovem atacante do Palmeiras, do sub-20, chorando diante de uma agressão racista de que foi vítima no Paraguai.
Primeiro, minha impressão, apenas inicial, sobre o mundo do futebol.
No caso brasileiro, uma paixão.
E não há exagero nisso.
Paixão, o futebol é uma inegável paixão.
Está no mais profundo da alma do povo brasileiro.
Encarna nossa vida.
E nossa história.
Brasil, tudo a ver com futebol.
Ficamos conhecidos, bem conhecidos, com a emergência do Rei do Futebol.
Por um tempo, Pelé foi nosso principal embaixador.
Outra vez: não há exagero.
Não tem muito tempo, Zulu Araújo e eu escrevemos um longo artigo sobre Pelé.
Resgatando-o.
Evidenciando a existência de parcelas da sociedade brasileira impregnadas de racismo, a tentar diminuí-lo.
Nelson Rodrigues, no caso de Pelé, foi muito mais arguto. Lamento constatar: o futebol foi inteiramente dominado pelo capital.
Transformou-se em mercadoria.
Os jogadores, no mesmo pacote.
Alguns me alertarão: a paixão não deixou de existir.
E eu aceito.
Em parte.
Ninguém há de desconhecer a diminuição da paixão pela seleção brasileira.
Porque as cores da seleção canarinho foram, de alguma forma, sequestradas pelo conservadorismo.
E porque jogadores de grande talento, jogando em times de nomeada no exterior, não rendem na seleção um terço do rendimento que têm nos clubes atuais.
E eu não tenho resposta para o fenômeno.
Arriscaria dizer: transformado inteiramente em fonte de enriquecimento, em mercadoria, em área de investimento do grande capital, o futebol brasileiro, de modo aparentemente contraditório, vai se empobrecendo, se burocratizando, tornando-se medíocre a ponto de tomar 4 x 1 da Argentina.
É um grande, monumental negócio.
Parte de um cassino mundial – e não se trata de metáfora.
Futebol e cassino, tudo a ver.
Jogadores, grandes jogadores, passaram a adorar o bezerro de ouro.
Arrisco, novamente.
Gosto de Guimarães Rosa – viver é arriscoso.
Marx, parece uma mistura improvável, estudou por evidência o dinheiro.
E disse uma coisa genial, a valer para o futebol atual. Vou nessa, reduzindo um pouco a citação:
_ O dinheiro rebaixa todos os deuses do homem e transforma-os em mercadoria. O dinheiro é o valor universal de todas as coisas. Roubou, portanto, ao mundo inteiro o seu valor peculiar. O dinheiro é a essência – alienada ao homem. E essa essência estranha domina-o, e ele a adora.
Está no livro Karl Marx: Uma Biografia, admirável trabalho de José Paulo Netto.
Poderíamos parafrasear o velho bruxo e dizer: o dinheiro rebaixa todas as paixões humanas, inclusive o futebol.
Ou cantar com Caetano.
Falar da força da grana “que ergue e destrói coisas belas”.
Volto a Luighi Hanri Souza Santos, o jovem jogador do Palmeiras, onde está desde os 10 anos de idade, nascido em 30/4/2006.
A imprensa o rotula como parte da “Geração do Bilhão do Palmeiras”, ao lado de Endrick, Estevão e Luís Guilherme.
Geração do bilhão.
Devidamente transformados, coisificados em dinheiro.
Valorizadas mercadorias.
No Paraguai, na noite de 6 de março deste ano, Luighi sofreu ofensas racistas cometidas por torcedores do Cerro Porteño.
Um imitou um macaco.
Outro cuspiu nele.
Estupidez.
Ao falar para a imprensa, chorava. Indignado.
Pelas agressões racistas e pela atitude covarde, conivente com o racismo, da própria imprensa.
Perguntava, revoltado, chorando, mais ou menos o seguinte:
_ É isso mesmo? Vocês querem falar de futebol? Não vão perguntar nada sobre as agressões, sobre o racismo de que fui vítima? É sério? Não vão perguntar sobre o racismo?
Um tapa na cara dos jornalistas.
Naturalizavam o racismo.
Quem sabe, concordavam com ele.
As lágrimas dele me comoveram.
O menino da “Geração do Bilhão”, quem sabe daqui a pouco vendido a peso de ouro a um grande clube europeu, como Endrick e Estevão, ainda não havia sido inteiramente tomado pela adoração ao bezerro de ouro.
As lágrimas, expressão de humanidade.
E, tal como Vini Jr., levantava sua voz contra o racismo.
E contra a conivência, o silêncio da imprensa.
Combater o racismo é tarefa de todos nós.
No futebol, um combate essencial, porque envolve milhões de pessoas.
O domínio do dinheiro nesse esporte, a transformação dele em mercadoria, não pode, apesar disso, admitir nenhuma manifestação racista.
Que os exemplos de Vini Jr. e Luighi nos animem nessa luta.
A essencial luta antirracista.