Mãe que denunciou escola por racismo é processada
A confeiteira Stephanie Silva ainda chora ao falar sobre o que aconteceu com o filho único, de 3 anos, no final de maio, durante uma festinha na escola cujo tema era “circo”. O menino, que é negro, foi fantasiado de palhaço naquele dia para a escola, mas voltou com a fantasia na mochila. No dia seguinte, Stephanie recebeu uma ligação da sogra perguntando se ela já tinha visto nas redes sociais da escola, uma creche municipal conveniada da prefeitura de São Paulo, o vídeo do filho vestido com uma máscara de macaco. Perto dele, além das crianças, duas educadoras cantavam uma música que dizia: “você virou um macaco”.
Sem ir para a escola desde então, o menino agora fica com a avó enquanto os pais saem para trabalhar. “Para a escola, não aconteceu nada grave, mas para mim foi grave e não dá para ele voltar, não houve nenhum cuidado”, diz a mãe. Stephanie fez uma denúncia formal sobre a escola. “Eu fiz um boletim de ocorrência denunciando racismo, processo que agora corre em segredo de justiça por envolver um menor, mas a escola me processou por calúnia. Colocaram uma máscara de macaco no meu filho, divulgaram o vídeo em redes sociais, e eu agora que respondo por um crime”, conta.
“Espetáculo de horror”, diz mãe sobre vídeo
Abalada, a mãe tentou entrar em contato com a escola, mas não foi atendida. Decidiu então publicar um vídeo no Instagram contando o que tinha acontecido. Foi só depois disso que recebeu uma ligação da escola dizendo que ela estava enganada, que aquilo tudo era um “equívoco”, um “mal entendido”.
Para Stephanie, no entanto, é muito evidente que se tratava de racismo. “Por que pegar justo um menino negro, que estava com outra fantasia, para vestir de macaco e fazer ele virar o centro das atenções?”, questiona.
“É de conhecimento de todos que a expressão macaco tem cunho racista, basta ver o que infelizmente acontece com frequência nos estádios de futebol”, esclarece a professora e educadora antirracista Tatiane dos Santos, que procurou Stephanie para ajudá-la.
A escola, por outro lado, não se desculpou e nem admitiu nenhum erro. A confeiteira também não foi acolhida pelas outras famílias da escola e afirma que não houve comoção nas redes sociais.
Ela conta que se sentiu humilhada ao ver o filho no vídeo, sendo apontado e sem entender nada, sem interagir. “O fato de ele não entender não quer dizer que não foi grave”, diz a mãe.
Stephanie desabafa: “Foi um espetáculo de horror, e eu não estava ali naquele momento para defender o meu filho”.
Além de tudo que aconteceu na escola, houve ainda a exposição nas redes sociais. A escola fechou o perfil e retirou o vídeo do ar, mas ele já tinha sido muito compartilhado. “Eu não sabia o que fazer naquele momento, mas já sabia que um dia isso iria acontecer. Infelizmente, como pretos, uma hora acontece. Como mulher preta, é difícil fazer uma denuncia, você é tida como louca.”
Educação antirracista
Tatiane dos Santos, que procurou Stephanie para oferecer acolhimento, é vice-diretora de uma outra escola municipal. Ela conta ter entrado em contato com a creche oferecendo gratuitamente uma palestra sobre antirracismo, além de uma consultoria para a escola repensar atitudes e o ambiente. A equipe agradeceu, mas disse que não tinha interesse.
Na escola onde trabalha, Tatiane dos Santos conta ter conseguido aplicar ações antirracistas que incluem conversas e a parte pedagógica.
A advogada especialista em Direito de Família Gabriella Andréa Pereira ressalta que “casos como esse acontecem recorrentemente, debaixo dos nossos olhos, e o direito à infância segura e protegida é negado a crianças pretas, simplesmente por serem filhas de uma sociedade que é estruturalmente racista.”
Segunda ela, estamos acostumados a invisibilizar condutas como essa, “mas o nome dessa prática é “marginalização”, pois coloca-se à margem dos direitos básicos aqueles que são diferentes de nós, ridicularizando-os, desde a tenra idade, devido à raça, à classe e muitas vezes ao gênero.”
Gabriella afirma ainda que essa criança, que deveria ser protegida, sobretudo com uma comoção nacional pelo que sofreu, muitas vezes é esquecida e transforma-se em mais um caso de racismo que acaba sendo configurado como “injúria racial”, e a própria vítima – pela estrutura – torna-se algoz, por simplesmente defender a sua “dignidade”.
“Os efeitos desse ato racista talvez não possam ser ainda percebidos por ele, mas nada causa mais confusão no desenvolvimento infantil do que linguagens ditas violentamente, e sempre recai em nós, mulheres negras, o estereótipo de ‘raivosas’, o racismo nos violenta”, completa a advogada.
A educadora Tatiane dos Santos, que é mãe de de 2 meninos negros, enfatiza que “não existe desculpa, não existe equívoco. A nossa estrutura infelizmente demanda isso, pegar uma criança preta e colocar uma máscara de macaco.”
Outro lado
Procurada por Universa, a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo afirmou que repudia qualquer ato de discriminação e racismo e informou que uma apuração está em andamento e, caso sejam comprovadas irregularidades, a instituição poderá ser penalizada e ter seu contrato rescindido.
A pasta informou ainda que o Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem, que conta com psicopedagogos e psicólogos, vai entrar em contato com os familiares para prestar acolhimento e apoio necessários, além de indicar uma nova unidade escolar para matrícula, se for do desejo dos responsáveis pelo estudante.
“A cidade de São Paulo tem o compromisso com uma educação antirracista, que visa à valorização da diversidade e compreende que a inclusão de aproximadamente 105 nacionalidades atendidas nas Unidades Educacionais deva ocorrer de forma respeitosa”, diz a nota da Prefeitura.
Fonte: Universa Uol