Mano a Mano completou um mês e está no topo da lista dos mais ouvidos no Brasil desde sua estreia, segundo plataforma de streaming
É notório que Mano Brown, o Racionais Mc’s e o rap, elemento da cultura hip-hop, atuam como cronistas do seu tempo. O grupo de maior expressão do gênero no país, conseguiu em três décadas alcançar não só o respeito de quem gosta de rap, mas de toda uma geração que viu a periferia ganhar voz, por meio do estilo musical e da contracultura.
No seu novo projeto solo, Mano a Mano, lançado há um mês, Mano Brown segue fazendo isso e abre diálogo para a construção de uma narrativa coletiva sobre temas que ele conhece muito bem, como pobreza, desigualdade, sobrevivência, resiliência, autoestima, racismo, discriminação, violência e religião, entre tantos outros, que abastam as letras que o tornaram um fenômeno, ao lado de Edi Rock, Ice Blue e KL Jay.
Os temas dos primeiros episódios já estavam anunciados nas estrofes da música “Negro Drama”, do álbum “Nada como um dia após o outro dia”, de 2002.
“ […] Crime, futebol, música, carai Eu também não consegui fugir disso aí Eu sou mais um Forrest Gump é mato Eu prefiro contar uma história real Vou contar a minha
Luz, câmera e ação, gravando a cena vai Um bastardo, mais um filho pardo, sem pai Ei, senhor de engenho, eu sei bem quem você é Sozinho cê num guenta, sozinho cê num entra a pé”
Possivelmente, os episódios que vem pela frente seguirão tratando desses temas que são centrais para a maioria da população brasileira (negra e pobre), a partir de uma conversa franca com personalidades convidadas. Com isso, Brown, repetidamente, se mostra um excelente comunicador, cheio de informação, posicionamentos e também mal-entendidos e desconhecimento acerca de um ou outro tema. O que não lembra um problema, até porque ele já avisou que está aprendendo com essas conversas.
Parece recorrente a dúvida dele a respeito do quesito cor, sobre o que é ou não é ser negro (preto e pardo) no Brasil. Talvez essa seja a dúvida de muita gente. Apesar disso, ele expressa com nitidez, uma leitura quanto aos efeitos do racismo e da discriminação contra pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, encarceradas e pobres, como foi no segundo episódio na conversa com Drauzio Varella e depois no terceiro número, com o ex-presidente Lula.
Pandemia mudou a rotina do MC
Brown descreve que no começo da pandemia para enfrentar a ansiedade e a falta de perspectiva resolveu estudar e nas conversas com amigos surgiu a ideia de fazer um podcast, que com o incentivo do filho e o investimento de muitas outras pessoas, se tornou realidade. Inclusive, o Mano a Mano, segundo o Spotify, sem apresentar dados de audiência, é o podcast mais ouvido no serviço de streaming, no Brasil.
Como o próprio Mano Brown conta, sem o hip-hop ele não seria nada. “O hip-hop me salvou. Eu era um jovem de 17 para 18 anos com a cabeça vazia, cabeça de camarão. O hip-hop praticamente me deu uma perspectiva de vida, eu renasci ali”. Se no passado, o hip-hop salvou o jovem, pardo, nascido no centro de São Paulo e criado no extremo sul da cidade, uma das regiões mais desassistidas por políticas públicas, parece que agora, seguir narrando a história a partir de um diálogo, por vezes, controverso, de novo, salvou a vida do MC.
A primeira temporada do Mano a Mano, uma produção Originais Spotify, prevê 16 episódios, publicados às quintas-feiras. Já passaram pela “bancada” do Mano Brown, a também MC Karol Conká, o médico Drauzio Varella, jogadores do Santos e o Pastor Henrique Vieira.
Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.