Matança oficial no Jacarezinho

A operação policial que resultou na morte de 28 pessoas no Jacarezinho/RJ, na última quinta-feira (06/05), não teve erro, falha no seu planejamento ou despreparo da polícia. Foi sim uma matança premeditada que alcançou plenamente seus objetivos. Até mesmo a morte do policial no inicio da ação parece fazer parte desse roteiro macabro meticulosamente elaborado. Foi sim um recado claro e explicito para a sociedade brasileira: se cuidem, essa é a nossa milícia.

Em verdade, foi o batismo de sangue dessas milícias para o grande público. A ação foi propositalmente espetacularizada e tinha objetivos claros. O primeiro deles era desmoralizar o Supremo Tribunal Federal que havia suspenso as ações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, desde cinco de junho de 2020, exatamente para evitar as matanças que vinham ocorrendo com regularidade em cada incursão policial, em plena pandemia. O título da operação diz bem nesse sentido – “Exceção”: referindo-se a decisão do Supremo que havia imposto que só em condições “absolutamente excepcionais” as operações policiais poderiam ser realizadas nas favelas.

O segundo objetivo foi mais claro ainda, o verdadeiro escárnio ao Estado Democrático de Direito, não só na afirmação de que a excepcionalidade da ação se deu por conta dos traficantes aliciarem menores para suas atividades (uma piada de mau gosto), como o fato do Ministério Público ter sido informado após a ação ter sido iniciada, mas principalmente pela sua espetacularização, realizada em plena luz do dia, com provas testemunhais, vídeos e registros fotográficos insofismáveis da carnificina que foi promovida pela polícia civil carioca, culminando com uma entrevista coletiva em que um Delegado afirmou de forma arrogante e desafiadora que as decisões da justiça e principalmente do STF, são frutos do “ativismo judicial” nas questões sociais.

É bom lembrar, que a Polícia Civil no Brasil, segundo o (art. 144, § 4º da Constituição Federal de 1988) é uma polícia judiciária e, portanto subordinada ao Sistema de Justiça do país e não o contrário: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”,

Ou seja, a matança oficial da polícia civil carioca no Jacarezinho teve todas as características das milícias fascistas, com alvo definido (população preta e pobre da periferia), objetivo estratégico claro (desmoralizar a mais alta corte do país) e objetivo político mais claro ainda, demonstração de força para a sociedade brasileira do que eles são capazes de fazer se forem contestados. Mais claro do que isto, só desenhando.

Portanto, temos que levar a sério essa ameaça. Para tanto, será necessário muita firmeza e muita frieza e reagir de forma precisa a essas provocações, além de punir severamente todos os envolvidos. Nunca na história do Brasil, o combate ao racismo esteve tão umbilicalmente ligado a defesa da Democracia, quanto neste momento. Democratas, antirracistas, humanistas e todos aqueles que defendem e desejam uma sociedade plural, diversa e saudável no Brasil, precisam estar unidos na defesa do Estado Democrático de Direito. Fora daí, é a barbárie.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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