Revista Raça Brasil

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Maternidade negra: Entre a tripla jornada e a ausência paterna

Por Giselle Rodrigues

Ser mãe solo negra no Brasil é enfrentar uma batalha diária em três frentes cruéis: o racismo estrutural que limita oportunidades, o preconceito velado nos relacionamentos afetivos e, talvez o mais doloroso, a covardia dos pais ausentes que abandonam seus próprios filhos sem remorso.

Enquanto essas mulheres carregam sozinhas o peso de criar seus filhos , os genitores muitas vezes vivem novas vidas, livres de responsabilidades, numa demonstração gritante de egoísmo socialmente tolerado.

A jornada começa antes do amanhecer: acordar cedo, preparar as crianças para a escola, enfrentar horas de trabalho, voltar para casa com a energia no limite, mas sem direito ao descanso. E quando o assunto é vida amorosa, o cenário é ainda mais cruel. Muitas relatam que, ao revelarem que são mães, os interesses românticos desaparecem como por encanto, como se a maternidade solo fosse um defeito e não a maior prova de força que uma mulher pode dar.

Aqui revela-se a covardia masculina em sua forma mais vil. Criou-se uma cultura permissiva onde o pai ausente é tratado com compreensão (“ah, ele ajuda pagando o que pode”… quando pagam!), enquanto a mãe que cria sozinha é cobrada com rigor implacável.

Essa dupla moral escancara como nossa sociedade ainda trata a paternidade como opção e a maternidade como obrigação inegociável. A sociedade tolera pais ausentes, mas estigmatiza mulheres que criam seus filhos sozinhas.

Alguns pais reduzem a paternidade a posts esporádicos – fotos ensaiadas, presentes registrados, abraços para a câmera. Enquanto isso, delegam às mães o trabalho real: noites em claro, contas da escola, consultas médicas e a árdua tarefa diária de educar. Transformam os filhos em adereços para manter uma imagem, enquanto a mãe carrega sozinha o peso invisível da criação.

As mulheres negras, mães solo, carregam nas costas o peso mais pesado dessa estrutura social falida. São elas que, diante do abandono covarde dos pais, do racismo que limita suas oportunidades, seguem erguendo sozinhas famílias inteiras com uma força que desafia a lógica – transformando cada “não” do sistema em combustível para criar filhos com dignidade em um país que insiste em negar-lhes o mínimo, enquanto assiste passivamente à irresponsabilidade masculina que perpetua esse ciclo de desigualdade.

Mas há uma revolução silenciosa em curso. Essas mães estão transformando a dor em potência, criando redes de apoio, exigindo direitos e, principalmente, mostrando aos filhos que família se constrói com presença, não apenas com DNA. Elas provam diariamente que o verdadeiro homem não é aquele que faz filhos, mas o que tem coragem de criá-los.

Apesar de toda a carga desproporcional que carregam, o racismo estrutural que limita oportunidades, a solidão afetiva imposta pelo estigma da maternidade solo e a omissão covarde de pais que delegam a elas todo o trabalho invisível da criação, as mulheres negras seguem escrevendo histórias de resistência e resiliência.

Sua vitória não está em superar obstáculos sozinhas, mas em transformar sua luta em legado: criando filhos conscientes de seu valor, exigindo políticas públicas que reconheçam suas necessidades e, principalmente, recusando-se a aceitar que o abandono e a desigualdade sejam heranças inevitáveis. Sua força já é uma revolução em curso, mas a verdadeira conquista será quando a sociedade finalmente enxergar, valorizar e apoiar essa jornada que nunca deveria ter sido solitária.

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