Maurício Pestana: CEOs além do seu tempo na pauta antirracista
Levou certo tempo para que a pauta da igualdade racial chegasse a todas as instâncias de poder do nosso país, mostrando que algo estava errado no país do futebol, do carnaval e da democracia racial. Foi preciso muita persistência, para que pudéssemos sair das discussões quase fechadas dos movimentos sociais e acadêmicos negros para conquistar, o setor público, o Parlamento e, por último, o setor privado em uma só jornada: a luta por igualdade de oportunidades e contra o racismo.
O setor privado foi a última instância a se colocar neste debate. Lembro-me, não há muito tempo, quando levávamos a pauta da igualdade para dentro das empresas, o que mais ouvíamos era que a questão racial se resolveria quando o negro tivesse mais qualificação; o que dava entender que não tínhamos qualificação alguma, pois não tínhamos presença em espaços de decisão no mundo corporativo.
Foram muitos os embates, discussões calorosas, dados e pesquisas, para mostrar que os argumentos meritocráticos não se sustentavam, mas, de uns anos para cá, conseguimos furar a bolha e pudemos contar com os primeiros presidentes de empresas a colocar a mão na massa e ouvir os apelos, que vinham do ativismo negro no Brasil, procurando encontrar soluções para os grandes problemas envolvendo a exclusão negra no mundo corporativo.
Poderia citar aqui o nome de muitos CEOs que, pelas suas posições e presença no último Fórum Brasil Diverso, mostraram que estão além do seu tempo, na busca de soluções para este problema. Mas falarei aqui, em especial, de um que ousou ir além das práticas e estudar a fundo os bastidores do mundo corporativo e a questão racial. Do estudo, saiu a sua tese de doutorado, intitulada “O Privilegio é Branco — Da Negação do Racismo às Práticas Antirracistas”. O trabalho, agora publicado em livro, será lançado no dia 15 de dezembro e é uma verdadeira radiografia de como o mundo corporativo trata a questão da inclusão racial no Brasil.
Nesta obra, o autor, Marcos Samaha, mergulha a fundo, entrevistando lideranças brancas e negras do mundo corporativo, tentando desvendar o porquê de tanta discrepância neste universo em que negros não ultrapassam 5% dos altos cargos nas empresas em um país em que somos 56% da população e o número de CEOs negros de empresas globais não chegam a 1%.
A tese que virou livro é, sem dúvida, um marco na luta antirracista, pois o pesquisador abusa não só de seu conhecimento pessoal, de quem transita neste universo há muito tempo (afinal, há décadas trabalha como executivo de grandes conglomerados como Grupo Pão de Açúcar, Wal-Mart, sendo hoje o CEO do Grupo Tenda), mas também da sua luta pessoal antirracista, não só na empresa que preside, mas na instituição que ajudou a construir — o MOVER, um conjunto de 49 empresas nacionais e multinacionais, com compromissos ambiciosos, na luta contra o racismo, pela diversidade e colocação de negros em cargos de lideranças nas empresas.
O mundo corporativo pode ter sido o último a entrar na luta antirracista. Foi preciso que o Estado brasileiro colocasse em pauta, seja por meio de conselhos da comunidade negra em meados dos anos 80, ou mesmo com a criação de secretarias, ministérios e uma legislação especifica sobre o tema neste século. Porém, a contribuição que empresas e movimentos como MOVER têm realizado nos mostra que este movimento é irreversível e que isso só está sendo possível por conta da luta antirracista e de alguns CEOs que são as lideranças máximas das empresas e, com uma visão futurista de criar um país menos desigual, começam a se envolver na pauta, pensando além do seu tempo.
Fonte: CNN BRASIL
Serviços: Lançamento do Livro do Marcos Samaha – 15/12 – Sexta-feira às 18h30
Local:
Conjunto Nacional, Av Paulista 2073 Lj 120
Informações tel: 11 91610 – 5675