Menino alvo de injúria racial em escola deixa ‘sonho’ de ser modelo: ‘para ser xingado de macaco?’
Mãe do menino de nove anos afirma que o filho foi chamado de ‘projeto de bandido’ por uma mulher e de ‘macaco’ pela enteada dela, em uma escola municipal de Santos, no litoral de São Paulo.
A mãe de Arthur Antonio Alves Camargoafirma que o menino perdeu o gosto pela ‘carreira’ de modelo, um sonho dele desde os três anos, após ser alvo de injúrias raciais dentro de uma escola municipal de Santos, no litoral de São Paulo. Ao g1, Nayara Alves contou, neste sábado (14), que a criança até se recusou a tirar as fotos do próprio aniversário. “Ele não está se aceitando mais”, desabafou.
Nayara afirmou que o filho foi chamado de “projeto de bandido” por uma mulher, apontada por ela como madrasta de uma aluna que cometeu injúrias raciais contra ele,dentro da Unidade Municipal de Ensino Professor Waldery de Almeida. Ela registrou um Boletim de Ocorrência sobre o caso.
Segundo Nayara, Arthur demonstrou desinteresse por ser fotografado após passar pelos episódios com alguns colegas, que o ‘perseguiam’ na escola por ser negro, e também com a madrasta da aluna.
“Ele diz: ‘Vou fazer fotos sendo negro para depois ser xingado de ‘macaco’ e todo mundo dar risada de mim?'”, relatou Nayara. “Ele não está se aceitando mais”.
A mulher contou que comprou um uniforme do Flamengo, time de coração do filho, para que ele fosse fotografado para um álbum do aniversário de 10 anos, celebrado no próximo dia 30 de outubro.
“O sonho dele era conhecer o clube, mas eu não tinha condições de levá-lo para o Rio de Janeiro e marquei algumas fotos por Santos”, explicou Nayara. “Mas, e agora que o menino não quer mais? Já me disse até que não sente graça no próprio aniversário, pois os amigos não são mais amigos”.
Referências
Nayara acrescentou que, com o objetivo de mostrar a beleza do filho para ele mesmo, buscou por exemplos de pessoas negras que são bem sucedidas no meio jornalístico, artístico e esportivo.
“Falei que a Maju é negra e é jornalista, que a Taís Araújo e o Lázaro Ramos são negros e atuam. Mostro também jogadores de futebol, como o Vinicius Jr., o Neymar e o Adriano Imperador”, disse Nayara. “Quero que ele entenda que a nossa vida não ‘acaba’ por sermos negros”.
A mulher ressaltou que a família e amigas próximas dela se empenharam em conversar com o menino para que ele recupere a autoestima e, novamente, volte a sentir o desejo de ser fotografado.
Entenda o caso
Nayara contou ter percebido uma mudança no comportamento do filho há aproximadamente um ano. Segundo ela, o menino passou a não querer mais ir à escola e, em determinados dias, chegava em casa chorando e alegando ter sofrido injúrias. Ele foi transferido de escola pela família após o ocorrido e, atualmente, estuda em outra unidade municipal.
De acordo com Nayara, o episódio com a madrasta da aluna que ‘perseguia’ Arthur aconteceu na última semana. Ela foi até a escola para buscar o menino e acabou sendo chamada pela diretoria para falar sobre o comportamento dele.
Ela acrescentou que, nos últimos meses, foi constantemente convocada à unidade de ensino após o menino se envolver em ‘problemas’ com outros alunos. As situações aconteciam, segundo Nayara, quando Arthur reagia às ofensas e xingava os colegas de volta.
“Eu estava na escola quando essa mulher [a madrasta] bateu no meu ombro e disse: ‘Quero falar com você’, já num tom hostil. Respondi que, naquela hora, não poderia conversar, pois seria atendida na secretaria, mas ela começou a gritar e a expor o Arthur”, disse Nayara.
Segundo Nayara, a mulher começou a ofendê-la e, não satisfeita, passou a falar mal de Arthur.
“Me chamou de ‘omissa’, ‘bandida’ e ‘negligente’. Depois, disse que eu estava criando um ‘projeto de bandido’. Nunca na vida, nem no pior pesadelo, esperei que uma criança de nove anos iria ouvir isso”.
Nayara afirmou que nenhum funcionário da escola se manifestou durante as ofensas da mulher, as quais ela também considera como um ato de racismo. “Acredito que o comportamento da menina, que ofendeu o Arthur, é um ‘espelho’ da madrasta”, finalizou.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de Santos informou, por meio de nota, que a supervisão de ensino está apurando as informações e acompanhando o caso para orientar a equipe gestora da escola sobre os procedimentos que devem ser tomados em relação aos estudantes.
A Secretaria de Educação (Seduc) acrescentou que repudia qualquer ato de racismo e injúria racial e que desenvolve um trabalho de conscientização na rede municipal de educação, por meio de palestras e visitas às unidades de educação, para que questões raciais sejam temas de discussões e reflexões, atendendo a lei federal 11.645/08.
O g1 não localizou até a última atualização desta matéria a madrasta da estudante que, segundo Nayara, ‘perseguiu’ Arthur.