Mercado Negro
Numa conversa riquíssima, tanto em vocabulário como em conteúdo e experiência de vida, Renato Carneiro fala sobre Moda e suas formas de ensejar o enfretamento ao Racismo, por meio do trabalho criativo. Renato é graduado em Design de Moda e Gestão, pela Universidade Salvador e graduando em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Nos últimos dez anos tem se dedicado a uma vasta pesquisa sobre estética, mais especificamente estética afro-brasileira, relacionada ao vestuário. Atua como cenógrafo e criador de moda, é também sócio-proprietário das lojas Katuka Mercado Negro e Katuka Africanidades, espaços reconhecidamente de referência em cultura, religiosidade e moda negra no Brasil, situadas no Pelourinho, centro histórico da cidade de Salvador – BA.
Como você analisa o seu trabalho e trajetória profissional no contexto da moda brasileira?
A estrutura que compõe o universo da moda está estritamente ligada às construções sociais modeladas na contemporaneidade. Nesse sentido, consciente da tensão nas relações raciais existente no Brasil, para que o meu trabalho pudesse existir, foi preciso construir uma trajetória paralela no contexto da moda, buscando sinais que remetessem a visibilidade negra no exercício do vestir, considerando, fundamentalmente, elementos das áfricas ancestrais, das áfricas contemporâneas e das diásporas.
No Brasil, a população negra, em decorrência da escassez de políticas públicas específicas para o seu desenvolvimento integral, e frente ao racismo estrutural persistente entre nós, cria em vários contextos, enfrentamentos produtivos que se desdobram em alternativas de empreendedorismo. Essa é uma das linhas políticas, associada a outras estratégias complementares, que inspira o movimento negro no Brasil e no mundo. O trabalho que realizo, na Katuka Africanidades, segue esses passos. Objetiva a composição de uma trama que busca conectar aprimoramento técnico, história das áfricas e concepções do pensar negro ancestral, diaspórico e contemporâneo. Uma moda arte, construída com referências plurais, que rotula a marca com o termo Africanidades. Esse conceito sintetiza o nosso propósito: um leque de nós para nós, em conectividade com o mundo contemporâneo.
De que modo você materializa no seu trabalho a luta antirracista ou outras pautas políticas como equidade nas relações de gênero, LGBTfobia e etc?
Mantenho uma conexão real e constante com essas comunidades e suas principais pautas. A escuta é fundamental nesse processo, uma escuta sensível. Um dos momentos mais importantes para o processo criativo é minha interação com as pessoas que vestem a roupa Katuka. Não raro, estou na loja, atento à sensação de quem prova uma peça da marca. Procuro perceber os desejos, a satisfação, a dúvida e as inseguranças apresentadas pelos clientes. Esses discursos fazem parte do meu planejamento, sempre.
Assim a marca Katuka tem na sua concepção um compromisso socio-político junto à comunidade negra, de mulheres negras e do público LGBTT, que nos faz considerar a inserção destes sujeitos, em suas diversas expressões políticas e corporais. Procuro com o meu trabalho contemplar um pouco do plural que somos; negros, gays, negras, lésbicas, trans, magras, idosos, crianças, gordas, jovens… Nessa perspectiva, a marca lançou recentemente uma coleção voltada para o público infantil e também vestiu homens negros trans para um evento de afirmação da visibilidade trans.A imersão, em diferentes aspectos do universo cultural destas comunidades, faz com que haja sempre um material vasto para o desenvolvimento de processos criativos e oferece legitimidade e consistência aos produtos que a marca apresenta.
Sempre com muita pesquisa e inventividade, destaco a ‘Coleção Alfabeto Infinito’, que tem inspiração nas escritas africanas e revela a riqueza gráfica e conceitual deste acervo. Os africanos criaram 90 sistemas de escrita em cinco mil anos. A inventividade desses alfabetos é o mote da coleção que mescla estética e conhecimento.
Coleção ALFABETO INFINITO
Criação, Pesquisa e Design: Goli Guerreiro – Renato Carneiro
Design Gráfico: Bruno Costa
Fotografia: Arlete Soares
Assistente de Fotografia: Cairé Brasil
Modelos: Ayala – Caroline Reis – Makito Santos
Produção Executiva: Wanderson Pereira – Katuka Africanidades
Maquiagem: Susan Almeida
Execução do Figurino: Marly Falcão
Confecção de Joias: Eduardo Santos – Kayala Joias de Axé
Locação: Salvador da Bahia, Ladeira da Preguiça – Galeria de grafites dos artistas ligados ao Centro Cultural que
Ladeira é Essa?
Apoio: Centro Cultural que Ladeira é Essa?
CAROL BARRETO
Mulher Negra, Feminista e como Designer de Moda Autoral elabora produtos e imagens de moda a partir de reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero. Professora Adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade – FFCH – UFBA e Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA, pesquisa a relação entre Moda e Ativismo Político.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas