Meritocracia! Eu quero uma para viver.


_ Fala, meu amigo!

_ Meu filho vai se formar em engenharia. Se puder indicar o currículo, ficarei grato.

_ Opa. Vou mandar para a diretora aqui da empresa, agora mesmo.

Dia sim, dia não, vejo essa conversa em grupos de Whats. A princípio, nada demais. Qual o problema em pedir ajuda para a carreira do filho (a)? Mas o diabo mora nos detalhes, no caso, no recorte desse clube fechado composto por executivos de grandes empresas. Majoritariamente, homens brancos, por volta dos 40 anos.

“E o que eu tenho com isso?”, me pergunto.

Já parou para pensar que o “privilégio branco” reforça as oportunidades para quem já as tem? Infelizmente, a maioria não enxerga isso. É como perguntar o que é a água para um peixe. Você também pode chamar privilégio de meritocracia, se o primeiro incomoda (contém ironia).

Voltemos à cena: o pai pede ajuda. E o RH chama o filho (a) para a entrevista. E você também, mas depois de se inscrever para dezenas de vagas e contar com muita sorte. No dia da conversa, você chega de vestido ou terno emprestado, depois de pegar ônibus lotado. Do seu lado, está a filha ou filho do executivo. Que vença o melhor. #sqn

Mas não se anime não. Nesse filme, o azarão (ou underdog), no estilo Rocky Balboa, leva um nocaute do inglês fluente logo no primeiro assalto. Dia sim, outro também, o “melhor” é selecionado. Há quem diga: é meritocracia! Se você sonhar, se esforçar bastante, também vai conseguir.

Acreditei nesse mito, durante anos. Afinal, deu certo comigo. Jovem preto, pobre, formado na USP, trabalhando na Faria Lima, carro zero e viajando para Europa. Demorou para entender que vivia numa bolha. E eu era o bode expiatório. Foi reconectando com a periferia que entendi que só alguns teriam chance. Não por falta de esforço, mas porque o mundo corporativo não tem tempo para estender o braço.

Sim. A competição é injusta e sempre seremos “estranhos no ninho”. Conquistar dinheiro e status não faz ninguém ser aceito. No máximo, ser tolerado. E quanto mais você ascende, mais evidente é a diferença. Vão falar sobre o intercâmbio na Europa, na época da faculdade. Da viagem para a China, durante o ensino médio. Aliás, todos ali estudaram na mesma escola particular, com nome de santo. Os pais deles também, sabia?

Como não há plano B, você tem que persistir. Seu talento pode ajudar. A empresa pode abrir vagas afirmativas. Mas, no dia 1, prepare-se:  sem capital social, sem rede de contatos, você descobre que o jogo seguirá difícil.

Desconheço o antídoto para essa falsa meritocracia. Mas acredito que a mudança pode acontecer se nos organizarmos. Precisamos nos aquilombar de forma consciente, questionando a bolha do privilégio nas reuniões de diretoria, propondo ações efetivas para promover mais diversidade. Não se iluda, isso vai causar desconforto e, talvez, custar seu emprego. Mas nada mudará se não formos protagonistas dessas novas histórias.

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