Mesmo rio, de Elisama Santos

Lançado em 2022, pela editora Record, com 240 páginas, o livro ‘Mesmo rio’, de Elisama Santos, me fez pensar sobre como alguns acontecimentos nos colocam diante de revisões importantes que podem levar a nos fecharmos, nos abrirmos ou até mesmo rompermos ciclos e relações.

Há pouco mais de 10 anos, quando a minha avó materna morreu, me vi frente a esse dilema, assim como as personagens do livro, os irmãos Marília, Lucas e Rita, filhos de Maria Lúcia e Benedito, que, na expectativa da morte da mãe, revisam suas trajetórias.

Quando li a primeira página, que traz uma frase célebre do filósofo Heráclito de Éfeso, eu não tinha ideia de que me conectaria tanto com aquela família negra, tão complexa e, ao mesmo tempo, comum, em seus problemas e angústias.

“[…] Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”.

Em alguma medida, fiquei com a sensação de que as experiências e compreensões de um momento são extremamente únicas e diferentes para cada pessoa que vivencia aquela situação. E, nessa jornada, Elisama Santos vai segurando e conduzindo o/a leitor/a a partir da descrição minuciosa e constante das situações e personagens até a última página do livro.

É aquele tipo de leitura que você faz pausas, reflete sobre si mesma, pode largar o livro por alguns dias, mas acaba voltando ansiosa para saber o que vai dar toda aquela trama familiar, repleta de amor e mágoas.

Maria Lúcia parece uma mãe satisfeita e orgulhosa dos filhos que teve. Cumpre com esmero todas as suas atribuições de mãe e, ao mesmo tempo, se mostra uma dona de casa infeliz, às vezes amarga, em outros momentos amorosa, mas sempre destilando desilusão. E, mesmo assim, mantém todos orbitando ao seu redor. Uma energia forte, aparentemente autossuficiente e triste. Seus sonhos viraram nuvem com o casamento e a chegada dos três filhos.

A última gestação constatou o suplício de Maria Lúcia. A narradora acrescenta que “[…] cuidar de duas crianças carregando outra no ventre era um fardo pesado. Torcia para perder o bebê, esperava que um sangramento levasse o feto que, insistente, crescia e sugava suas forças”.

Esse trecho, assim como muitos outros, me impactou profundamente porque, com o nascimento daquela mãe, se enterrava uma mulher altiva e promissora. Isso, na minha leitura, não era uma questão só dela, poderia ser também uma sentença do machismo que transfere exclusivamente para as mulheres a responsabilidade pela criação de filhos e filhas, ainda que eles e elas tenham pais e todos vivam sob um mesmo teto.

Assim surgem a filha-amiga (Marília), o filho-macho-preferido (Lucas) e a estranha-corajosa (Rita). Três personagens que vão se moldando a partir do silêncio quase anulante do pai e da forte presença da mãe.

Os três são apaixonantes, verdadeiros e muito reais em seus dilemas. Eles, com o anúncio da possibilidade de morte próxima da mãe, precisam pensar na vivência sem ela, coisa que o livro indica, mas apresenta muito brevemente nos últimos capítulos, até porque o enredo não é sobre eles após a morte da mãe, e, sim, sobre como crescer naquela família.

Sentimentos saltam das páginas a todo o momento. É muito amor, ódio, angústia, desilusão, solidão e, sobretudo, carência. Todas as personagens sofrem de uma carência enorme, que acreditam poder ser sanada com o amor da esposa, no caso do Benedito e da mãe, que eles e elas clamam desesperadamente em forma de afago e especialmente aceitação.

LANÇAMENTOS

As mentiras do ocidente, organização de Dagoberto José Fonseca

As mentiras do ocidente de Dagoberto José Fonseca/ Selo Negro.

Durante séculos, o eurocentrismo científico ajudou a construir uma história baseada em mentiras. Tais mentiras fomentaram — e ainda fomentam — o racismo, a xenofobia, a misoginia e a morte de inúmeros grupos e povos, sobretudo na África e na América. A fim de restituir a verdade, a presente obra aponta novos caminhos teórico-metodológicos que partem da história real do continente africano e da diáspora de sua população. Entre os temas abordados estão: a vida e a obra de Ptahhotep, um dos grandes filósofos do Reino Antigo do Kemet (atual Egito); as falsas narrativas produzidas pelo pensamento euro-ocidental; a formação da democracia nas diversas nações da África; os conceitos de unidade e diversidade cultural africana; a afroperspectiva como método e teoria; o impacto do escravismo e do colonialismo na África; a interface entre arte e loucura nos rituais de cura do povo dogon (Mali); as lutas dos povos indígenas por seus territórios ancestrais. Autor(es): Alexandre de Lourdes Laudino, Bas’Ilele Malomalo, Dagoberto José Fonseca, Denise Dias Barros, Kowawa Kapukaja Apurinã, Kunhã Jeguakai Nhandeva Charrúa (Bruna Lopes Silva), Muryatan Santana Barbosa, Patricio Batsîkama, Renato Noguera, Tatiane Pereira de Souza.

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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