Meu primeiro abuso Policial

A Revista Raça termina esta semana com a reflexão da campanha “#meuprimeiroabusopolicial”.
Inspirada na desmedida prisão e condenação de Rafael Braga, que habitava as ruas do Rio de Janeiro. O fato foi noticiado nacionalmente por conta da dosimetria absurda da pena imputada por ter sido flagrado num protesto em julho de 2013, tendo nas mãos uma garrafa de desinfetante.
Rafael foi condenado a onze anos e três meses de prisão por tráfico de drogas. Na ocasião o douto juiz Ricardo Coronha, sobrenome extremamente sugestivo, utilizou como base argumentativa para a sentença o testemunho dos dois policiais que prenderam Rafael. Segundo os agentes, Rafael estava próximo à um ponto de venda de drogas e teria tentado se desvencilhar de uma sacola que supostamente continha entorpecentes.


O instituto de pesquisa Datafolha aponta em pesquisa que a suspeição, dúvida, desconfiança ou suspeita nas abordagens policiais recaem sobre os negros. O estudo revela que 86% dos jovens negros de São Paulo já foram parados pela polícia, e entre os mais jovens a porcentagem chega a 91%. Em observação estatística, com mote idêntico, a Universidade de São Carlos revelou que 61% das vítimas fatais nas ações da polícia são negras, onde 97% são homens e 77% têm entre 15 a 29 anos. Curiosa ou coincidentemente 79% do contingente da polícia são brancos.
Frente a estes fatos, a Revista RAÇA buscou explicitar estes números a partir da  campanha “#MeuPrimeiroAbusoPolicial”, na qual solicitava que negros relatassem a experiência da primeira abordagem policial sofrida. A ação trouxe à tona os absurdos e os esdrúxulos métodos e comportamentos utilizados contra aqueles que sempre são suspeitos, os negros. Transpirou o que todos sabem e se dilui na banalidade das notícias policiais: a morte, abuso e violência que sofrem os negros por serem negros e enxergados de forma discriminatória pelos agentes da lei.
As três semanas intensas da campanha expôs e emoldurou o quadro do desrespeito aos direitos civis mais básicos, especificamente ferindo os negros. Na grande rede de computadores, em nossos endereços sociais, cada vez mais apareciam depoimentos, observações, indicações, relatos, confirmações e contraposições. Alguns internautas, opondo-se às pequenas e impactantes crônicas, insistiam em diluir o problema, numa tentativa de mostrar que independente da raça a agressividade sempre foi igual para todos, ou que os negros a potencializam, vitimizando-se. Faziam isto talvez por ignorar as pesquisas, e muitas vezes descredenciavam a campanha, desenrolando um imenso corolário de racismo e preconceito.
A experiência de ter uma arma apontada para cabeça é uma inesquecível lembrança negativa, não menos, a invasão gratuita do corpo. A violência de um apalpar, menos usado nos animais domésticos que nos homens negros pela polícia, revelam o nível de perversão racista policial que inacreditavelmente é vista com normalidade pela população que, na sua conformação, compactua do mesmo preconceito e gratuita suspeita. A corporação que tem a possibilidade do uso legítimo da força a potencializa ou diminui dependendo da tez e raça.
Como não poderia ser diferente, a campanha na sua densidade produziu organicamente denso material que está sendo copilado para ser editado e transformado em instrumento de reflexão e referencial para bibliografias que se arvorem a discutir o assunto.
Exposta, publicitada e largamente discutida a chaga, apenas uma das Secretarias de Segurança Pública dos Estados se manifestou, obviamente o estado onde demandou a pesquisa: São Paulo. Em relato, informou que entre janeiro e abril do corrente ano, 96 policiais civis e militares foram presos e 118 foram exonerados. Em nota, ainda acrescentou: “O trabalho das polícias é norteado pela correção e que desvios de conduta são exceção. Todas as denúncias são apuradas e, se confirmadas, os agentes são punidos rigorosamente”. Lamentavelmente, no universo dito, as ações punitivas não surtem efeitos educativos nos policiais, como mostram os números.

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