Moda preta, indígena, ancestral: Alexandre dos Anjos e Sandro Freitas dão seu recado
Por Isadora Santos
Artistas levaram referências pessoais, ancestralidade e diversidade para desfile na Casa de Criadores em 2021
A história da moda está sendo reescrita sob o olhar e a partir do talento de pessoas negras que trazem suas referências, bagagens e múltiplas formações para esse espaço que, esteticamente, sempre foi protagonizado pelas pessoas brancas. Ainda que os nossos estivessem nos bastidores desse universo que costuma ditar tendências sobre vestuário, tipo físico e até de tons de pele.
Em sua segunda participação na Casa de Criadores, Alexandre dos Anjos apresentou em julho o desfile da sua nova coleção chamada Paramentar. Artista visual e estilista, dos Anjos coloca a roupa no lugar de tela, para pintar em cada peça suas referências e aquilo que vem de suas experiências pessoais, incluindo a espiritualidade, ancestralidade e sua história com o Carnaval de São Paulo.
O estilista nos contou as ideias iniciais para o desenvolvimento da coleção. “Para poder desenvolver essa coleção eu quis trazer tudo que me representava, quis trazer a arte, o Carnaval e também associado à questão da moda. Carnaval é a ideia inicial do trabalho. E enfim, foi um jogo de Búzios que eu fiz em 2013 e esse jogo estava muito pertinente na minha cabeça, muito latente, e aí até conversei com o babalorixá que fez o jogo de Búzios e ele me fez explicações novas sobre aquele assunto e eu tinha guardado a folha onde ele tinha feito as anotações. Enfim, mesmo que intuitivamente, apareceram as cores ali que representam alguns dos orixás que saíram nesse jogo de Búzios, então eu falei ‘perfeito gente’, era isso. Não sou feito em santo, mas eu tenho muita curiosidade e essa questão de ancestralidade que parece estar encontrando a gente o tempo todo”, explica.
Aos 36 anos, o estilista celebra 17 anos de carreira na moda e tem se dedicado ao trabalho no seu ateliê, localizado no Centro de São Paulo, além de dar aulas em espaços culturais na cidade: “Eu tenho visto moda de uma outra forma, já faz uns 3 anos que eu tenho dado aula, sou professor de modo, mas dou aula em espaços culturais e a moda está voltando bem que aos poucos. Tem uma hora que a gente assume realmente o que a gente é e eu vi que no meu trabalho faria tudo pautado em arte e moda. Então eu tenho a arte, a pintura, a questão do manual no meu trabalho e também a questão da roupa. Entendo a roupa como uma obra de arte e acabo meio que fazendo peças sob medida, na verdade, sobre pedido então é um ritmo bem slow fashion, essa moda que é um pouquinho mais lenta, minha produção é toda baseada assim”, conclui o Alexandre dos Anjos.
O desfile da coleção Paramentar foi realizado na Fábrica do Samba e pode ser conferido no site da Casa de Criadores.
Confira algumas peças da coleção “Paramentar”, de Alexandre dos Anjos
Maranhense radicado em São Paulo, Sandro Freitas é o criador da marca Berimbau Brasil. O estilista de 26 anos, migrou em 2011 para a capital paulista com objetivo de trabalhar com moda e em julho deste ano, estreou sua marca com o desfile da coleção RITMO na Casa de Criadores. “Meu principal propósito ao criar a Berimbau é que eu não apagasse a minha história enquanto maranhense e a minha ancestralidade dentro dessa minha narrativa profissional em São Paulo. Então a Berimbau vem com esse propósito de, ao mesmo tempo, estar trabalhando com moda, mas também estar falando sobre a minha identidade, sobre a minha história. Lá no Maranhão eu fazia capoeira quando era adolescente, meu tio-avô fazia festa do Bumba-meu-boi, eu cresci na frente de um clube de reggae então tudo isso eu tento trazer para o meu universo profissional. A Berimbau tem essa estética afro-contemporânea, a maioria das nossas roupas são exclusivas, elas não se repetem, trazendo essa questão de que cada um tem uma história que não é igual a do outro”.
Confira as peças da coleção RITMO, de Sandro Freitas
A coleção que Freitas leva à Casa de Criadores mostra que “o berimbau marca o ritmo da rua”. E se inspira no gingado da capoeira e da dança para lançar peças que acompanham o ritmo de quem as veste. “A coleção tem como foco principal, trazer roupas confortáveis para uma performance de vidas reais, carregadas de personalidade e de uma exclusividade singular, como a história de cada um de nós”, conclui.
A herança indígena e africana que Sandro Freitas traz em seu trabalho na coleção RITMO e os toques da arte diaspórica, do universo Carnavalesco, do samba e da espiritualidade africana que permeiam o trabalho de Alexandre dos Anjos na coleção PARAMENTAR, com certeza inspiram e mostram que os nossos tem muito a ensinar ao mundo e à moda.