Mulheres negras e o empreendedorismo
Com a falta de oportunidades para ascensão no mercado de trabalho formal, mulheres negras se tornam executivas de destaque do empreendedorismo no Brasil
É necessário refletir principalmente sobre a mulher negra e os desafios que ela enfrenta, seja para ser reconhecida no mercado de trabalho ou até por sua subsistência como empreendedora.
O relatório do Sebrae sobre empreendedorismo negro de 2019 aponta que, no Brasil, 9,6 milhões de mulheres estão à frente de um negócio, sendo que as mulheres negras representam metade desse número, ou seja, cerca de 4,7 milhões são mulheres negras.
A sub-representação da mulher negra no mercado de trabalho certamente tem impulsionado esses números
nos últimos anos, o que pode ser comprovado no estudo do Ethos, “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500
maiores empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”. Na perspectiva de raça, o estudo mostra que mulheres negras são ainda mais excluídas nas empresas, principalmente nos cargos executivos e da alta liderança, sendo apenas 1,6% da gerência e 0,4% do quadro executivo. Entre os 548 executivos analisados para a conclusão do estudo, apenas duas mulheres negras faziam parte do grupo.
Reconhecidamente, as dificuldades para as profissionais negras vêm desde a graduação, já que elas enfrentam
diversos obstáculos que vão desde o ingresso na faculdade, passando pelas dificuldades em manter os estudos e até concluir um curso superior, seja por dificuldades financeiras ou pela falta de tempo para conciliar o emprego com os estudos. Ainda segundo o Sebrae, quando falamos de empreendedorismo feminino negro, em média, as mulheres negras empreendedoras têm 1,7 ano a menos de escolaridade que as mulheres brancas.
E as desigualdades não param por aí. Os negócios conduzidos pelas mulheres negras têm porte menor do que o de mulheres brancas, as empreendedoras negras ganham 49% a menos que as brancas. Para Liliane Rocha, CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, essas diferenças são reflexos do racismo estrutural que ainda é muito forte na sociedade brasileira. “A verdade é que dentro das grandes empresas, produtoras de filmes e afins, chega uma hora em que a mulher negra percebe que está lidando com uma barreira invisível que nada tem a ver com a performance. Neste instante, ela se dá conta de que, para ter o tamanho profissional e social que merece, deverá empreender. E ainda que sem base financeira ou patrimonial prévia, acaba por se tornar um caso de sucesso”.
Liliane Rocha é mestre em Políticas Públicas, professora de Diversidade na pós-graduação da Universidade do Estado de SP (USP-FIA) e do Senac, Liliane também tem inovado nas discussões da área de diversidade, ao cunhar novos termos e conceitos como o Diversitywashing (Lavagem da Diversidade) – termo por ela difundido e consolidado no Brasil, utilizado para identificar práticas ou ações de empresas, governos e outras instituições que se apropriam de questões relacionadas à temática da Diversidade e Inclusão e das lutas por equidade social, para ganharem status e posicionamento sem que, de fato, realizem ações concretas para inclusão e valorização da diversidade dentro das atividades que realizam.
Ela é uma prova de que a falta de oportunidades impulsiona o empreendedorismo e confirma que para profissionais negros, às vezes, o que falta é acreditar e apostar em seus potenciais e habilidades. Com uma trajetória de 16 anos atuando nas áreas de Sustentabilidade e Diversidade de Multinacionais, ela pôde olhar de dentro das empresas o que funcionava e o que não funcionava no que se refere à inclusão e valorização da diversidade nas organizações.