Mulheres negras em qualquer idade têm 46% mais chance de fazer aborto no país

Recorte inédito de Pesquisa Nacional de Aborto mostra que mulheres pardas e pretas têm mais risco de morrer devido a aborto inseguro. Descriminalização está na pauta no STF

São Paulo – A probabilidade de uma mulher negra fazer aborto no Brasil, em qualquer idade, é 46% maior do que aquelas que se declaram brancas. É o que revela um recorte inédito da Pesquisa Nacional de Aborto, realizada de 2016 a 2021. O estudo evidencia como o racismo atravessa a trajetória reprodutiva das mulheres pardas e pretas, colocando-as em maior desvantagem e vulnerabilidade, principalmente pela criminalização.

Ao chegar aos 40 anos de idade, pouco mais de um quinto das mulheres negras (21,22%) terá feito ao menos um aborto, ante uma em cada sete mulheres brancas (15,35%). A estimativa é que a chance de uma mulher negra dessa faixa etária já ter abortado é 38% maior do que uma branca. A pesquisa é parte do artigo intitulado “Aborto e Raça no Brasil, 2016 a 2021”.

Parcialmente divulgado nesta segunda-feira (18) pela jornalista Mônica Bergamo, no jornal Folha de S. Paulo, o estudo será publicado na Revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

O artigo é assinado pelos pesquisadores Debora Diniz, Marcelo Medeiros, Pedro H. G. Ferreira de Souza e Emanuelle Goés. Financiado pelo Instituto de Bioética Anis, a pesquisa foi baseada em 4.241 entrevistas, com margem de erro de dois pontos percentuais. O estudo comprova que o aborto é comum entre as brasileiras, apesar de a legislação proibicionista que prevê a interrupção legal apenas em casos de gravidez após estupro, quando há risco de morte da mãe e em casos de feto anencéfalo (sem cérebro).

Impacto do racismo na saúde

Embora seja uma questão que afeta mulheres de diversas classes, idades e situações conjugais, a pesquisa também mostra que as desigualdades raciais se sobressaem. Todas as três edições mostram que são as mulheres negras e pardas as mais expostas aos riscos decorrentes da criminalização do aborto. Entre eles, o risco de morte após se submeter a um método inseguro.

“Esse estudo nos dá um panorama da realidade que se impõe pelo racismo. Se o aborto é crime no país e são as mulheres negras que mais realizam, essas mulheres terão sempre mais risco de morrer em decorrência de um aborto inseguro”, afirmou a coautora Emanuelle Goés, pesquisadora associada do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia. Segundo ela, a contribuição da pesquisa “é mostrar que existe um grupo que está em maior risco de aborto inseguro, porque é um grupo que declara mais ter realizado aborto”.

Julgamento no STF

O novo estudo sobre aborto e raça vem no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a julgar em breve a ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ação foi liberada pela relatora do caso e presidente da Corte, Rosa Weber.

A ministra não marcou uma data do julgamento, mas a expectativa é de que pelo menos se inicie antes do dia 2 de outubro, limite para Weber se aposentar compulsoriamente. Primeira a votar, a relatora é apontada como favorável a descriminalização, mas a posição do Plenário do Supremo é uma incógnita.

A ação a ser julgada é de 2017 e foi ajuizada pelo Psol. O partido defende que a atual legislação sobre o tema viola os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação. A legenda também reforça que “o aborto faz parte da vida de muitas mulheres brasileiras” e que cerca de 3 milhões, apenas em 2017, realizaram um aborto no país.

Brasil atrasado na América Latina

“Se o aborto é uma realidade, por que não debatê-lo realmente no Brasil? Por conta da criminalização, segundo estudos internacionais, de 8 a 18% das mortes maternas são causadas por abortos inseguros”, argumenta o partido.

Na América Latina, pelo menos seis países já legalizaram a interrupção voluntária da gravidez. No caso do México e da Colômbia, por exemplo, a decisão também foi do Judiciário. Pelo twitter, a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) ressaltou que “descriminalizar o aborto é fundamental para salvar vidas e garantir o bem-viver de mulheres negras”.

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