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Mulheres negras, menopausa e a cultura da resiliência: até quando?

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Jandaraci Araújo

Executiva, conselheira de administração e uma das principais vozes em governança, ESG e inovação no Brasil. Com mais de 30 anos de atuação nos setores público e privado, construiu uma carreira sólida na interseção entre finanças, sustentabilidade e transformação digital, com foco em estratégias de crescimento sustentável e geração de valor compartilhado. Mestranda em Administração de Empresas pela FGV, com ênfase em Bioeconomia e Finanças Sustentáveis, possui sólida formação internacional em liderança, governança e sustentabilidade por instituições como UCLA Anderson, Kellogg School of Management e EADA Business School (Barcelona). Co-fundadora e Presidente do Instituto Conselheira 101 – uma iniciativa voltada à inclusão de mulheres negras e indígenas em conselhos e alta liderança. É reconhecida por sua liderança transformadora, Top Voice no LinkedIn, professora, escritora e TEDx Speaker. Recebeu vários prêmios e reconhecimentos como Lide Global, Mulheres Inspiradoras, Trofeu Raça, IBEF-SP e Money Report.

A romantização da resiliência e o impacto do desgaste físico e emocional na saúde da mulher negra

Por Jandaraci Araújo*

A palavra resiliência tornou-se um mantra nas narrativas sobre mulheres negras. São frequentemente exaltadas por sua força e capacidade de enfrentar adversidades, independentemente dos desafios. No entanto, essa romantização cobra um preço alto, especialmente na menopausa, um período crítico que, para muitas, se traduz em um ciclo invisível de exaustão e sobrecarga, impactando diretamente sua trajetória profissional e oportunidades de crescimento na carreira.

A menopausa não é apenas uma fase biológica; é um fenômeno que tem implicações diretas na produtividade, na autoestima e na permanência das mulheres negras no mercado de trabalho. Ondas de calor, insônia, fadiga, alterações de humor e dificuldades cognitivas são sintomas que afetam o desempenho profissional. Para as mulheres negras, esses desafios são potencializados por contextos estruturais adversos. O racismo institucional, a falta de representatividade nas lideranças e a cobrança para que continuem sendo exemplos de resistência geram impactos diretos na sua ascensão profissional. Muitas enfrentam dificuldades para serem promovidas ou mesmo para manter seus cargos, já que seus desafios são invisibilizados e desconsiderados pelas estruturas corporativas.

A cobrança para que essas mulheres permaneçam inabaláveis reforça um ciclo perverso de desgaste físico e emocional. No ambiente corporativo, espera-se que mantenham a mesma produtividade enquanto lidam com sintomas debilitantes. Esse cenário muitas vezes leva à saída prematura do mercado de trabalho, à estagnação na carreira ou à perda de oportunidades estratégicas.

Um estudo global realizado pela farmacêutica Astellas, intitulado “Menopause Experience & Attitudes”, revelou que 47% das mulheres brasileiras sentiram impactos negativos no trabalho devido à menopausa. Entre os principais sintomas relatados estão a redução da produtividade (26%), medo de compartilhar a condição com colegas (17%) e até discriminação explícita (9%). Além disso, 40% dessas mulheres experimentaram seis ou mais sintomas diferentes que afetam seu desempenho profissional, como dificuldade para dormir (61%) e cansaço ou falta de energia (60%) (Astellas).

O custo dessa invisibilização é alto tanto para as mulheres negras quanto para as organizações, que perdem talentos valiosos devido à falta de suporte adequado. Que impactos a saída prematura dessas mulheres do mercado tem na economia e na inovação? Empresas precisam entender que a ausência de políticas de apoio pode comprometer sua competitividade e diversidade de talentos.

Até quando essa resiliência será exigida sem contrapartidas estruturais de apoio?

Por que as lideranças precisam parar de exigir que as mulheres negras “segurem tudo sozinhas”

A cultura corporativa muitas vezes celebra histórias de superação sem considerar os custos humanos dessas trajetórias. Lideranças precisam reconhecer que mulheres negras não são super-heroínas e que o discurso da meritocracia desconsidera os desafios específicos enfrentados por elas. A falsa ideia de que “quem chegou até aqui aguenta mais um pouco” perpetua um ciclo de exploração emocional e física, criando um ambiente que inviabiliza a permanência e o crescimento dessas profissionais.

Para romper essa lógica, é essencial criar espaços de escuta genuína e implementar políticas corporativas que reconheçam e acolham as necessidades das mulheres negras durante a menopausa. Empresas precisam incluir esse tema nas discussões sobre diversidade e inclusão, garantindo que não seja tratado apenas como uma questão de saúde, mas como uma questão estratégica para retenção de talentos.

Algumas organizações já avançaram nesse debate. A Nestlé lançou, no início de 2024, o “Guia Global para Menopausa no Trabalho”, fornecendo apoio às colaboradoras por meio de materiais educativos, trilhas de conhecimento e suporte especializado. (Movimento Mulher 360) Da mesma forma, a Gerdau implementou o Programa Ciclos, oferecendo encontros com profissionais de saúde, rodas de conversa, sensibilização das lideranças e atendimento virtual para suas funcionárias. (Movimento Mulher 360) Esses exemplos demonstram que a mudança é possível e que medidas concretas fazem diferença.

Além da escuta ativa, é necessário revisar modelos de trabalho que penalizam essas profissionais por condições biológicas. Flexibilizar horários e permitir pausas estratégicas são medidas fundamentais para garantir a continuidade da produtividade sem comprometer a saúde. Criar redes de suporte dentro das empresas pode fazer a diferença na troca de experiências e no acolhimento emocional.

A inclusão de depoimentos de mulheres que enfrentaram esse cenário poderia tornar o texto ainda mais impactante e humanizado. Mostrar histórias reais de superação e desafios pode ajudar a sensibilizar lideranças e promover mudanças estruturais.

As organizações precisam oferecer assistência especializada, garantindo que planos de saúde incluam profissionais capacitados para tratar os sintomas da menopausa e oferecer suporte psicológico.

Programas de desenvolvimento profissional devem levar em conta a longevidade da carreira e as transições naturais da vida. É essencial que a avaliação de desempenho contemple ajustes que evitem punições injustas às mulheres que passam pela menopausa. A revisão de métricas e a adaptação de processos de promoção são fundamentais para garantir equidade na ascensão profissional.

As empresas que realmente valorizam a diversidade precisam parar de exigir resistência sem oferecer suporte. Diante desses dados e iniciativas, é imperativo que as lideranças corporativas adotem medidas concretas para apoiar mulheres negras durante a menopausa. Implementar políticas inclusivas, oferecer programas de suporte e promover um ambiente de trabalho acolhedor são passos essenciais para garantir o bem-estar dessas profissionais e a retenção de talentos valiosos.

Chegou a hora de agir: quais empresas estão prontas para essa mudança?

* Jandaraci Araújo. Executiva, conselheira de administração e uma das principais vozes em governança, ESG e inovação no Brasil. Com mais de 30 anos de atuação nos setores público e privado, construiu uma carreira sólida na interseção entre finanças, sustentabilidade e transformação digital, com foco em estratégias de crescimento sustentável e geração de valor compartilhado. Mestranda em Administração de Empresas pela FGV, com ênfase em Bioeconomia e Finanças Sustentáveis, possui sólida formação internacional em liderança, governança e sustentabilidade por instituições como UCLA Anderson, Kellogg School of Management e EADA Business School (Barcelona). Co-fundadora e Presidente do Instituto Conselheira 101  – uma iniciativa voltada à inclusão de mulheres negras e indígenas em conselhos e alta liderança. É reconhecida por sua liderança transformadora, Top Voice no LinkedIn, professora, escritora e TEDx Speaker. Recebeu vários prêmios e reconhecimentos como Lide Global, Mulheres Inspiradoras, Trofeu Raça, IBEF-SP e Money Report.

[Os textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Raça]. 

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