Não existe equidade sem democracia

Qualquer pessoa da minha geração, que vivenciou na infância o período duro da recente história política deste país, o regime militar, sabe do alto preço que pagamos ao sair das trevas daquele período.

A juventude mais politizada dos anos 80 ficou marcada por movimentos de redemocratização do país, pintamos as caras e fomos as ruas na luta por eleições livres e diretas no meu caso com foco na denúncia das desigualdades sociais e raciais no Brasil, tempos difíceis quando, por conta dos 20 anos de autoritarismo, parcela da sociedade padecia de uma verdadeira amnésia sobre esses problemas, afinal, uma das bandeiras da ditadura era propagar que o Brasil era o único país do mundo a gozar a sonhada “democracia racial” fazendo muitos acreditarem mesmo nisso.

Todos os avanços na direção da equidade racial e muitos na área social foram conquistas daquela geração pós-ditadura, o que garante inclusive nos dias de hoje o direito de nos manifestarmos livremente contra o racismo.

Da primeira conquista que foi escrever na Constituição de 88 o racismo como crime inafiançável, a lei que obriga o ensino da história da África e seus descendentes em todos os níveis escolares, passando pela Lei de Cotas, que destina 20% das vagas nas universidades para pessoas negras, políticas afirmativas, essas que hoje se estendem, e até mesmo o Executivo federal, e muitos municípios, como São Paulo, e até mesmo setores do Judiciário, e o mais recentemente reconhecimento de Zumbi dos Palmares como herói da pátria e o Dia da Consciência Negra como feriado nacional, foram avanços que jamais se tornariam realidade em um regime autoritário.

O Brasil amanheceu estarrecido ao saber que o fantasma daquele nefasto período esteve recentemente mais próximo do que imaginávamos, e desta feita mais violento ainda, incluindo a morte de altas figuras da República. Se isso se confirmasse, não resta a menor dúvida de que todas as nossas conquistas cairiam por terra, até porque é da natureza dos regimes autoritários o questionamento e a anulação de qualquer avanço obtido sob as bases populares, democráticas.

Isso tudo nos alerta de que defender a democracia é simplesmente defender a mãe de todas as nossas conquistas, pois não existem equidade, respeito e avanços para uma sociedade mais justa e igualitária em regimes de exceção, e a própria história recente do nosso país mostra isso.

A lição que podemos tirar do esgoto que tem emergido nos fatos revelados esta semana é que a maior de todas as lutas que devemos priorizar é a luta incondicional de defesa da democracia. Não existem equidade, igualdade e direitos iguais se não existir democracia – é o que a nossa história nos mostra.

Ainda é cedo para projetarmos o desenrolar desses tristes e nefastos fatos que ocorreram na passagem do governo anterior a este que aí está, mas uma coisa é certa: se confirmado tudo o que está sendo divulgado pelos principais órgão de imprensa deste país, o desfecho desse episódio só pode ser um, a punição de todos os envolvidos, porque pior que um regime autoritário é uma democracia desrespeitada e desacreditada.

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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