Negros nas artes: além das cores


O isolamento social causado pela pandemia do coronavírus provocou uma grande transformação na vida do artista visual Jeff Alan. Daltônico – diagnóstico descoberto há três anos – ele tinha por hábito, até então, fazer suas artes abstratas em preto e branco.

Mas sua veia criativa despertou para as cores. Em seu pequeno quarto, de 3×3 metros, Jeff criou a série “Olhar para dentro”, com personalidades negras de olhares e traços marcantes. As peças produzidas ao longo de seis meses já foram todas vendidas aqui no Brasil, mas também para Portugal, França, México e Estados Unidos.

“Queria desenhar pessoas, meu povo, retratar a minha luta, os sonhos de tantos outros. Queria falar de pessoas negras. Eu sou muito inquieto e, nesse período de pandemia, fui obrigado a olhar mais para mim e encontrei um universo infinito. Desacelerei e me redescobri. Hoje, entendo que pinto o que sempre quis pintar”, disse.

Autodidata, o artista urbano afirma que aprendeu a pintar antes mesmo de saber ler e escrever. Seus trabalhos, que incluem recortes em papel e colagens, são vendidos pela internet. Vinte por cento dos seus seguidores no Instagram são do exterior.

Estudante de Arquitetura e Urbanismo, Jeff Alan é cria da Comunidade do Barro, na periferia de Recife.

Suas obras, vistas nos muros e fachadas dos becos e vielas da região, se tornaram conhecidas quando foram mostradas, sem que ele planejasse ou soubesse, no programa “Encontro Com Fátima Bernardes”, na TV Globo. Ele destaca que todos os personagens da série atual de trabalho têm influência africana e predominância feminina.

“Tenho pouquíssimo conhecimento sobre religiões de matriz africana, mas a minha criação é muito intuitiva. Às vezes, surge num sonho. Tem muitas pinturas que eu faço e que quando termino o processo intenso, tenho a sensação de que muitos traços não foram feitos por mim. É como se fosse alguém se apropriando do meu corpo, e eu estivesse sendo usado para realizar algumas obras. Com duas latas de spray, consigo criar uma arte”, diz.

Durante a quarentena, Jeff , filho de uma manicure e um mecânico, se sensibilizou com as famílias que passavam necessidades e fez de seus pincéis e sprays uma moeda de troca.

“Troquei trocar trabalhos meus por cestas básicas e consegui ajudar pouco mais de 40 famílias que estavam passando necessidade. É algo que pretendo dar continuidade”.

Apesar de seu talento e boas intenções, Jeff Alan não deixa de se deparar com dificuldades.

“O mercado das artes é racista. Isso é fato e precisamos enfrentar esse sistema. Existe uma bolha sempre com os mesmos artistas, e devemos romper isso”, afirma.

Comentários

Comentários

About Author /

Start typing and press Enter to search

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?