Revista Raça Brasil

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Juristas Negras: LÍVIA VAZ e MADALENA RODRIGUES

Nem senzala, nem silêncio: chegou a vez de ouvir as Helenices, Marielles, Malês!

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Juristas Negras

O Instituto Juristas Negras é uma coletiva de mulheres negras integrantes do Sistema de Justiça, que buscam ampliar os horizontes sobre Direito e Justiça, a partir da afirmação da negritude, da história, cultura e contribuições do povo negro para a formação do Brasil, numa perspectiva decolonial.

Estrear uma coluna do Instituto Juristas Negras na Revista Raça, em pleno mês de março e num contexto político mundial como o que estamos vivenciando, nos deixou com alguns desafios nas mãos. Ou seria no peito? Diante de nós, a revista de conteúdo negro mais antiga da América Latina, bem como as altas taxas de feminicídio e encarceramento em massa de mulheres negras; um cenário global de ódio às minorias; um panorama político brasileiro de constantes ameaças e violações dos direitos humanos do povo negro.

No mesmo sentido, os cargos de poder com tomadas de decisões relevantes ainda são ocupados, majoritariamente, por homens brancos. Há uma engrenagem histórica e invisível que os leva, sob o pretexto falacioso da meritocracia, até as cadeiras das câmaras municipais, às bancadas federais e aos tribunais. A naturalização da ausência de mulheres negras nesses espaços é um dos efeitos mais perversos do racismo patriarcal. Nós ainda somos minoria assinando os cheques e as sentenças. E quando a realidade confronta quem sempre esteve em posição de privilégio, o resultado pode chegar a ser violento e criminoso, tal qual a postura de José Francisco Abud, advogado carioca, contra a juíza Helenice Rangel, da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. O homem branco, firme na crença racista de ser sujeito universal, não sustentou o peso que representa uma juíza negra contrariando tantas estatísticas brasileiras. Eles nos querem segurando vassouras e não suportam quando o que temos nas mãos são justas canetas. Queiram ou não queiram os que se beneficiam com o pacto narcísico da branquitude, chegou a vez de ouvir as Helenices, Marielles, Malês!

Na linha do tempo da história sociopolítica brasileira, encontramos três personagens indispensáveis ao texto de hoje: Carolina Maria de Jesus, Abdias Nascimento e Marielle Franco. Se 14 de março foi a data de chegada neste mundo para os dois primeiros, para Marielle – e para nós que ficamos -, significou uma abrupta despedida. 

Pela escrevivência de Carolina Maria de Jesus e trazendo a poesia contundente de Conceição Evaristo, temos a certeza de que as lágrimas insubmissas que ainda escorrem dos nossos “olhos d’água” jamais se contentaram em molhar o chão das senzalas e dos “quartos de despejo”. Os caminhos abertos pelo legado de luta por igualdade racial de Abdias Nascimento nos convocam a avançar coletivamente, apesar dos tão severos obstáculos. Mesmo diante da dor do luto por Marielle Franco e Anderson, somos prova de que esse “sangue retinto pisado” é adubo para que floresça em solo fértil, um presente e futuro onde gênero, raça e classe não definem expectativa de vida, renda, escolaridade e tantos outros marcadores que mantêm as mulheres negras na base da pirâmide social.

Sim, porque se somos, como nos disse Nego Bispo, “começo, meio e começo”, é preciso ressignificar essa data tornando-a um chamado para luta por justiça racial e fortalecimento da democracia, em reforço ao 21 de março: Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. 

No entanto, dispensamos o fardo de guerreiras sobre as nossas costas. Bem como os elogios por isso vindos de quem assiste a tudo inerte do seu lugar de privilégio. É indispensável chamar os homens ao compromisso de abrir caminhos e portas. Não basta não ser ameaça, não ser algoz. É necessário fazer valer o que disse Abdias Nascimento: ser cavalo das mulheres. Especialmente, das mulheres negras. Sim, nós ainda precisamos de “cavalos”, que podem ser, independente de gênero e raça, pessoas antirracistas e antissexistas, dispostas a abrirem caminhos para que efetivamente estejamos, nós mesmas, presentes em todos os lugares que são nossos por direito.
Enquanto integrantes do Instituto Juristas Negras, podemos garantir que a “memória celular dos açoites” é combustível diário para a busca pela reparação, justiça racial e efetiva democracia. Se há “resquícios de senzala” na atuação profissional ou existência de pessoas afro-brasileiras, eles estão juntos à certeza de que para lá não voltaremos. O surto da casa grande é pouco para nos deter. E se depender de nós,  seguiremos acordando quem dormir sonos injustos.

LÍVIA VAZ
Atua como Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia desde 2004. É escritora, palestrante e presidente do Instituto Juristas Negras. Doutora em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coautora dos livros “A Justiça é uma mulher negra” (Coleção Juristas Negras) e “Abayomi: o reluzir dos encontros preciosos”. Autora do livro “Cotas Raciais”  (Coleção Feminismos Plurais). Nomeada uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, na edição Lei & Justiça.

MADALENA RODRIGUES
É advogada, mediadora de conflitos, membra do Instituto Juristas Negras e Diretora de Desenvolvimento Institucional da Escola da Democracia. Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Assinou em coautoria com Conceição Evaristo o prefácio do livro “A Justiça é uma Mulher Negra”. Enquanto grantee do IIE – The Power of International Education, coordenou a pesquisa “Retratos da política no Recife: um estudo sobre mandatos do legislativo municipal e o eleitorado pelo fortalecimento da democracia”, financiada pela Open Society Foundations (OSF).

 

O Instituto Juristas Negras é uma coletiva de mulheres negras integrantes do Sistema de Justiça, que buscam ampliar os horizontes sobre Direito e Justiça, a partir da afirmação da negritude, da história, cultura e contribuições do povo negro para a formação do Brasil, numa perspectiva decolonial.

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