“Nem todo preto é seu irmão, nem todo branco é seu inimigo”

(Martin Luther King)


Zulu Araújo


Há algum tempo evito assistir ou participar de discussões sobre as tramas midiáticas do BBB (Big Brother Brasil), programa de grande audiência e participação popular. A razão era simples – preconceito. No caso, já superado.


Mas, a intensificação de episódios racistas que o jovem Davi (participante, preto e pobre da Bahia), vem sofrendo, ao longo do programa me chamou a atenção. Ele já foi chamado de moleque, agressor, nojento, tóxico e que nasceu no cu da Bahia.
Assim também, é demais também.


O escândalo protagonizado pela Sister Leydi contra o Brother Davi, com o objetivo de provocar uma reação violenta da parte dele e sua consequente expulsão do programa, causou uma comoção tão gigantesca que é incontornável. Não há como não abordar. De há muito não via manifestações tão indignadas nas redes sociais como as decorrentes desse episódio, a exemplo da que transcrevo abaixo:


“Davi é tão preto quanto eu, quanto o entregador de ifood que foi baleado por não subir pra fazer a entrega, quanto Vinicius Jr, quanto a jovem que pulou da janela da patroa pra não ser mais espancada… Ver pretos sofrendo, não deveria ser entretenimento”.


O episódio onde Leyde provoca, desrespeita e agride o seu parceiro de programa revela muito mais do que possamos imaginar. É uma provocação impregnada de ódio e leviandade, demonstrando o quão profundo o racismo está internalizado no país, independentemente da cor da pele de quem é vítima ou algoz.


Se a intenção do programa foi a de fazer com que a sociedade reflita sobre a complexidade que racismo brasileiro possui, parabéns. A cena foi deveras chocante, indignou muita gente, mas foi educativa. Ali está posta de forma nua crua um provérbio popular, nada agradável – “nem todo preto é seu irmão e nem todo branco é seu inimigo”.


Imaginem, por um minuto apenas, se o agressor fosse o Davi. Tenho certeza, que todos os estereótipos sobre o homem negro (violento, machista, misógino, grosseiro, etc.), teriam sido desfiados, dentro e fora do programa, para justificar não apenas o seu afastamento, mas que ele saísse de lá algemado.


Portanto, não há desculpas para Leydi Elin. Mas, há muito a se refletir.
Afinal, o que leva uma mulher preta, pobre e favelada, despejar tanto ódio, de forma racional, contra um igual? Qual a motivação que acionou esse gatilho? O que podemos aprender com cenas como esta?


Por mais que lamentemos, o que vimos no BBB é algo que está presente no cotidiano da população preta e pobre do país, muito mais do que gostaríamos. Elas revelam, de um lado, que consciência negra, caráter e honestidade não necessariamente estão vinculadas a cor da pele. Muitas vezes, são apenas variáveis da necessidade de sobrevivência.


De outro lado, também revela, que a sister Leidy é vítima de uma máquina poderosa, instalada no Brasil desde 1.549, que fez e faz da população negra uma mera peça dentro de uma engrenagem, no passado escravocrata e no presente racializada, onde negros/as são alvos a serem eliminados/as, até mesmo pelos seus iguais. É o ódio da impotência.


Mas, também podemos inferir, que o episódio grotesco estimula e exige, daqueles/as que estão na condição de lideranças políticas do movimento negro, o aprofundamento da conscientização no combate ao racismo, o cuidado e seriedade no trato da questão, mas sobretudo, a compreensão de que precisamos ampliar a nossa luta e construir novos aliados.


Sem isso, dificilmente teremos sucesso, no curto prazo, na luta pela promoção da igualdade racial.


Toca a zabumba que a terra é nossa!

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