“No dia 14 de maio ninguém me deu bola”
Zulu Araújo
Passei o dia 13 de maio deste ano observando com atençãoredobrada as celebrações e notícias sobre a Abolição da Escravatura. Estava acamado, por conta de uma virose, e decidi otimizar meu tempo de ócio forçado.
Como não faço coro com aqueles que consideram a Abolição um fato histórico desimportante, afinal, foram 800 mil seres humanos formalmente libertados de um crime de lesa humanidade, tratei de aguçar olhos e ouvidos para entender de como o Brasil, está tratando o problema mais traumático da sua historia. Fiquei angustiado.
Passados 135 anos da sua promulgação, a Abolição está tão inacabada quanto a nossa última eleição para presidência da República. As consequências tem sido dramáticas para mais de 100 milhões de afro-brasileiros, do mesmo modo que o inconformismo da extrema direita na recusa ao resultado das urnas continua provocando imenso desassossego a população em geral.
Pelo que observei, até mesmo, em matérias bem intencionadas, é que os ecos da escravidão continua tão presente em nossa sociedade que os versos do poema canção de dois grandes artistas baianos (Jorge Portugal e Lazzo Matumbi) não me chama a atenção pela atualidade: “No dia 14 de maio, ninguém me deu bola, Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver, Nenhuma lição, não havia lugar na escola, Pensaram que poderiam me fazer perder.”. Impressiona a qualquer um desavisado a resiliência dos escravocratas brasileiros na preservação desse quadro assombroso e chega a ser chocante a leniência com que os setores progressistas do nosso país conciliam com essa mazela histórica.
Recentemente, o CEO da Revista Raça, num artigo primoroso, publicado na CNN, também abordou essa questão de forma contundente, diante de mais um caso de racismo em redes de supermercados e da leniência das autoridades de todos os naipes e de todos os níveis, “Precisamos de um plano nacional para o país que, quando não mata e humilha sua população negra em atos covardes em seus quartinhos escuros de supermercados, faz isso à luz do sol todos os dias em praça pública, com suas políticas públicas excludentes.”, afirmou Mauricio Pestana.
Em que pese o enorme esforço que variados segmentos da comunidade negra tenham empreendido ao longo dos últimos anos e que promoveram avanços consideráveis em áreas importantes da sociedade no tocante a promoção da igualdade racial, a exemplo do reconhecimento dos territórios remanescentes de quilombos, a lei que introduziu na grade curricular do ensino fundamental a história da África e da cultura afro-brasileira e do grande salto dado pela implantação do sistema de cotas raciais para o ensino superior, fato este que proporcionou o acesso de mais de 1 milhão de jovens negros as universidades.
Ainda assim, o sentimento maior que ficou em mim, nesse 13 de maio, foi de certa frustação, ao perceber o neo-escravismo avançando em pleno século XXI, a violência, em particular contra a juventude negra ocorrendo de forma avassaladora e com a complacência e até mesmo anuência dos governos estaduais, ditos progressistas e o que é mais frustrante, a insensibilidade de boa parte da sociedade, diante da fome que atinge a maioria da população negra. É a Abolição inacabada que teima em se fazer presente e que poderá nos levar a uma explosão social sem precedentes. “Olha moço, fique esperto que eu não sou menino.”
Toca a zabumba que a terra é nossa!