No sons dos tambores pulsa a vida
Eu já caminhei por muitos quilombos e aprendi sobre diversas culturas. Aprendi em Angola no grande continente Africano que o tambor é voz, é fala e comunicação, e que ele tem sotaque. Quando cheguei ao Amapá, na cidade de Macapá, eu me apaixonei. Me apaixonei pela cultura local, pelas pessoas, pelos quilombos, pelo jeito, sobretudo, amazônico de ser.
Levo a cultura do Marabaixo por onde vou, acompanhada de minha esposa Suane Brazão, amapaense quilombola e Marabaixeira, chegar a novela “Amor Perfeito”, numa emissora que é a maior do país, e humildemente conseguimos introduzir esse elemento sagrado que são as caixas de Marabaixo na cenografia, foi de um grande axé. Foi uma forma de dedicar o meu amor à Amazônia e ao Amapá. O Marabaixo, o tambor de crioula, o batuque, carimbó, Zimba, Sairé, são tantos ritmos do lado de lá da Amazônia e em todos eles, pulsam a vida. Os sons dos tambores também guiam a minha existência.
O estado do Amapá é muito rico por inúmeros fatores. É um lugar onde a cultura pode ser acessada de forma mais democrática e a população tem acesso às culturais da cidade, participando das atividades que acontecem e ajudando a disseminar a cultura dos festejos de Marabaixo, da quadra junina, do Carnaval, das folias, dos festivais intermunicipais.
Existem várias teorias para a origem da tradição do Marabaixo, mas não é possível afirmar com precisão; aprendi com a escuta dos mais velhos e também como os escritos da artista e pesquisadora amapaense doutora Piedade Videira: “Muito embora possa lembrar a penosa travessia dos africanos nas naus escravistas mar-a-baixo, dando origem por aglutinação das sílabas a Marabaixo, quando perguntados sobre a origem étnica desta dança, afirmam categoricamente que é uma manifestação cultural de matriz africana que foi trazida para o estado do Amapá pelos seus ancestrais africanos.”
A cultura do Marabaixo se mantém a partir da resistência do povo marabaixeiro que era jogado mar a baixo pelos escravagistas, e se mantendo protegido pelos povos quilombolas do Amapá até os dias de hoje. Em 2018, a cultura do Marabaixo foi considerada patrimônio cultural imaterial do Brasil, segundo o Conselho Consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Preservar essa cultura e mostrar ao país a diversidade e complexidade de conhecimentos locais que a tradição resguarda, é uma forma de reforçar o compromisso com a preservação do nosso bem maior: a nossa ancestralidade. Tudo o que sabemos hoje é fruto de um aprendizado que venceu as dobras do tempo e cabe a nós, nos dias atuais, continuar disseminando esses saberes.
De tanto contar por aí histórias ligadas a minha ancestralidade e países que já passei, como Angola e África do Sul, onde desenvolvi uma ampla pesquisa em prol da luta pelos direitos da comunidade negra e pelos quilombolas, me tornei um griô — um contador de histórias, que mantém viva as tradições de um povo através de gerações e que luta pela preservação da memória e disseminação da cultura dos que vieram antes, e por isso me chamam de Mestre.
Mestre Ivamar é ator, pesquisador, griô quilombola e escritor. Atualmente, interpreta o personagem Popó na novela “Amor Perfeito”, da TV Globo. Além disso, é uma das principais referências da cultura quilombola no Brasil e fundou em 2016, ao lado do seu filho Felipe Melhor e Suane Brazão, o Coletivo Artístico Amazonizando, que fomenta as tradições e narrativas amazônicas, tendo a cultura do Marabaixo como sua maior expressão.