O ano em que disse sim, de Shonda Rhimes
Quando recebi o livro “O ano em que disse sim”, fiquei tão entusiasmada com a possibilidade de saber alguma coisa sobre uma escritora e produtora de Hollywood, que até larguei pela metade outro livro que estava lendo – desculpe Bianca Santana, logo, logo volto ao “Quando me descobri negra“.
Acho que estou obcecada por publicações de não-ficção ou autobiografias sociais, como as de Annie Ernaux, em que os/as autores/as se colocam em primeira pessoa e relatam acontecimentos da própria vida.
Esse é o caso de “O ano em que disse sim: como dançar, ficar ao sol e ser a sua própria pessoa”, de Shonda Rhimes, publicado no Brasil pela editora BesteSeller. Nele, Shonda Rhimes deixa de lado seus personagens e histórias célebres como as de Grey’s Anatomy, Scandal e How to get away with murder, entre outras, e compartilha com leitores os seus sentimentos e um processo de autodescoberta que transforma sua vida, abrindo possibilidades ou incentivando, em alguma medida, seus leitores a fazerem as mesmas perguntas que ela faz ao se revisitar. A depender da resposta, pode fazer qualquer um que esteja aberto a ler o livro a buscar novas rotas, rumo ao autoconhecimento. Eu me conectei e me reconheci imediatamente com essa possibilidade.
No entanto, antes do ponto de virada do livro, Shonda Rhimes se apresenta, acrescenta aos poucos traços da sua personalidade, da criação e educação, memórias da infância e uma série de outros elementos que levaram ela a ser uma “mentirosa” espetacular, capaz de criar histórias e personagens fascinantes – sua última coprodução disponível no Brasil é a série disponível na Netflix, Rainha Charlotte.
Exatamente nessa jornada que ela se constitui também como uma pessoa que diz “não” para quase tudo. E o ponto de virada e a possibilidade de reverter esse cenário é o fio condutor do livro. Ela relata a experiência de dizer “sim” e todas as consequências dessa decisão. Tanto para ela como para sua empresa e relações familiares, amorosas e de amizade.
Shonda Rhimes escreve com celeridade e prepare-se para ler rápido para conseguir acompanhar o raciocínio dela. Do contrário, você pode perder alguma coisa e até achar o livro sem graça. Não é! Eu gostei justamente por isso, porque, como dizem popularmente, sou ligada no 220V. Aliás, rascunhei essa sugestão de leitura à mão outro dia, mas estou fechando-a, um dia depois de uma sessão de quimioterapia.
As frases são curtas, os parágrafos também. Em alguns momentos, cheguei a pensar que ela realmente estava falando comigo. Antes que eu pudesse responder ou reagir ao que ela dizia, novamente ela tomava a palavra e mudava o ângulo da história. Na verdade, ela estava tagarelando e eu ouvindo atentamente e respondendo mentalmente para mim mesma. O meu raciocínio é veloz, entretanto, sem nenhuma dúvida, o de Shonda Rhimes me supera. E, assim, com bullets points, ela determina que vai dizer “sim” e apresenta sua lógica para esse novo ciclo de positividades:
“[…]
· Dizer “não” me trouxe até aqui.
· Aqui é uma droga.
· Dizer “sim” pode ser o caminho para algum lugar melhor.
· Se não for o caminho para um lugar melhor, será ao menos para um lugar diferente”.
Oh, meu Deus! Shonda, sista-queria (palavra inventada por mim para querida irmã de cor), poderíamos ser realmente irmãs.
Voltando ao livro, se ela tivesse revisado essa lista ao final do ano do “sim”, possivelmente acrescentaria mais coisas. Todavia, isso importa pouco, o mais interessante do livro é que Shonda Rhimes não é uma personagem, ainda que ela insista em tentar se inventar. Ela é uma mulher negra, norte-americana, de uma família numerosa, presente e de classe média. É uma mãe e empresária de sucesso, que cria histórias incríveis que levaram ela para um lugar de destaque na indústria do cinema e da TV.
Compartilhar essa experiência de ser Shonda Rhimes, por si só, já é interessante porque contribui para a construção de narrativas e imaginários do que é ser negra e, sem dúvida, os Estados Unidos, o Brasil e muitos outros países precisam dizer “sim” para as muitas Shondas que estão por aí.
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Lançamentos
Irmãs do Inhame, de bell hooks
Em 1993, a educadora, crítica literária e aclamada pensadora do feminismo bell hooks, decidiu colocar no papel as experiências e reflexões inspiradas por um grupo de apoio de mulheres negras, as “Irmãs do Inhame”. O nome é carregado de significado. Inspirada em um trecho da obra Os comedores de sal, da escritora e ativista Toni Cade Bambara (1939-1995) – a quem presta homenagem na epígrafe –, o inhame é símbolo da “sustentação da vida”, da nutrição e do cuidado, e também das “conexões diaspóricas” para a comunidade negra. Assumidamente pensado como um livro de autoajuda, traz a essência de bell hooks: uma escrita amorosa e envolvente, que não nega a dimensão política do cotidiano, e combina um conhecimento profundo da literatura e da cultura negras com reflexões que passam pela filosofia, pela crítica cultural e pelo budismo.
Nada pode me ferir, de David Goggins
A infância de David Goggins foi um pesadelo. Pobreza, racismo e maus-tratos físicos marcaram seus dias, assombraram suas noites e quase determinaram seu futuro.
Por meio da disciplina, da resistência mental e do trabalho duro, o jovem deprimido e obeso que havia perdido as esperanças deu a volta por cima, aprendeu a dominar a própria mente e se transformou em um ícone das Forças Armadas e um dos maiores atletas de resistência do mundo.
No livro, ele compartilha sua surpreendente história de vida e revela que a maioria das pessoas utiliza apenas uma parte da própria capacidade física e mental. Seu relato inspirador ilumina o caminho que você também pode trilhar para superar a dor, demolir o medo e alcançar níveis inéditos de desempenho e excelência no esporte e na vida.
Famílias inter-raciais: tensões entre cor e amor, de Lia Vainer
Como é possível que relações familiares permeadas de amor e consanguinidade sejam também violentas e repressoras do ponto de vista racial? Em um país onde um terço das relações matrimoniais se dá entre pessoas que se autoclassificam como sendo de raças diferentes, responder a essa pergunta é tarefa urgente para o avanço do combate ao racismo.
Ao indagar se vínculos afetivos em famílias inter-raciais podem amenizar ou desconstruir o ideário racista nos indivíduos, Lia Vainer Schucman percebe que a raça não atua apenas como elemento organizador, mas também como uma categoria geradora de dinâmicas, discursos, conflitos e hierarquias intrafamiliares.Famílias inter-raciais é um estudo corajoso e acessível por sua linguagem e sensibilidade. Ao abrir a porta da casa de cada família, escancara o que no debate público já há muitos anos se diz: a formulação de mais estratégias de enfrentamento ao racismo é fundamental para combater a desigualdade e a crise social no Brasil.