O Brasil que pedala é, majoritariamente, negro

Por: Jaice Balduino

Segundo um estudo da plataforma americana Strava, com mais de 95 milhões de utilizadores, houve um aumento do uso da bicicleta em diferentes locais do Brasil. Segundo os resultados da pesquisa, houve maior procura por este tipo de meio de transporte após o início da pandemia causada pelo coronavírus.

Pensando em promover uma visão integral da bicicleta, como transporte, expressão artística, trabalho, lazer, esporte e também como ferramenta de mudança no modo de vida e de relações em centros urbanos e comunidades rurais, o Instituto Aromeiazero desenvolve projetos sociais, educacionais e culturais para reduzir as desigualdades sociais e tornar as cidades mais resilientes.

Diferente de outros meios de transporte, a bicicleta promove a mobilidade sustentável, a saúde, a geração de renda, a ciclologística e o lazer, além de ser o meio de transporte mais eficiente em distâncias de até 7km, possibilitando que seja utilizada em trajetos curtos ou em trajetos mais longos, a partir da integração com outros modais, como o transporte público de alta capacidade.

Rogério Rai, um dos coordenadores de projetos da ONG, conta que a bicicleta é uma ferramenta de autonomia seja para trabalho, lazer ou estudo, mas afirma que “São Paulo não é um lugar convidativo para quem pedala, principalmente por falta de infraestrutura. Para a garantia dessa integração, insere-se a importância não só da constituição de rede cicloviária acessível, mas também de bicicletários, e o ideal seria que o poder público oferecesse essa estrutura para a população.”

Com a finalidade de promover a intermodalidade, constituir infraestrutura para a promoção do uso da bicicleta e incentivar mais pessoas a pedalar, o Instituto Aromeiazero, em parceria com Ciclocidade e com patrocínio do Itaú Unibanco, desenvolve o projeto “Bicicletário Modelo”, que propõe-se a constituir um bicicletário próximo a estações de alta capacidade em áreas com altos índices de vulnerabilidade, nas bordas da cidade de São Paulo. E para chegar lá, o projeto “Mais Bicicletários” se propõe a uma agenda de atividades ao longo do ano de 2022.

De acordo com Glaucia Pereira, Especialista em Mobilidade Urbana, com ênfase em pesquisa e dados, a falta de investimento no transporte público ao longo de décadas, no qual sempre foi visto como mercadoria, é uma forma de manter as pessoas nas periferias, já que algumas linhas não funcionam fora dos dias úteis. Outro dado muito importante, é o dado de morte no trânsito. De acordo com o DataSUS 35% de mortes são de motocicletas e em sua maioria homens negros e jovens, da mesma forma que os homens negros nas periferias são os maiores alvos de morte. 

A falta de investimento é histórica e ainda prejudica quem precisa se deslocar com antecedência para o trabalho. A bicicleta é uma ferramenta de autonomia, e ela soma acessos. 

“A mobilidade urbana é uma ferramenta de acesso à cidade, que leva as pessoas ao trabalho, escola, família, diversão entre outros. A bicicleta permite esse acessos já que é mais rápida, as pessoas também não dependem dos horários de transportes públicos, nem do pagamento da tarifa. Mas há uma grande importância também no investimento de bicicletários para dar mais acessos a outros meios de transportes quando as pessoas têm que se deslocar mais para trabalhar.” Conta Glaucia.

Glaucia Pereira é fundadora do Multiplicidade Mobilidade Urbana, um instituto de pesquisa que existe há 5 anos e é fruto da vontade de se fazer pesquisas inéditas e necessárias, com robustez metodológica e em prol de cidades mais humanas e sustentáveis.

Vinda de uma família de empreendedores, Glaucia tem feito o diferencial quando se fala em pesquisas sobre mobilidade urbana, fazendo intersecções com as questões de gênero e raça. Esses marcadores sempre se mantiveram um pouco distantes das pesquisas tradicionais de mobilidade voltadas para o planejamento das cidades. Sempre com os olhos voltados para a inovação, a pesquisadora procura coletar dados para a construção de cidades mais sustentáveis.

A bicicleta no combate ao racismo

Dados compilados da PESQUISA DE PERFIL DOS ENTREGADORES CICLISTAS DE APLICATIVO (2019) apontam que 57% dos ciclistas se declaram pardos ou pretos e apontam que esta é uma atividade exercida por 71% de negros, que ganham em média apenas R$ 936 reais por mês para uma dedicação média de 9h24min por dia.

Pensando em promover a bike como ferramenta de geração de renda, cidadania, fortalecimento de economias locais e melhoria da qualidade de vida para macaenses, de todos os gêneros, maiores de 18 anos, o Aromeiazero realiza desde 2016 o Viver de Bike,  formação para quem quer estruturar um negócio de bike, trabalhar com a bicicleta ou entender como ela pode melhorar o seu empreendimento ou trabalho. ​O curso aborda quatro conteúdos principais: mecânica básica de bicicleta, pedalar na cidade, empreendedorismo e gestão financeira.

Aline Os, mulher negra e empreendedora do projeto Señoritas Courier, conta que já usava a bicicleta como veículo para ferramenta de lazer e também para ir deslocar até a universidade, e passou a usar também para ferramenta de trabalho, dando também a sensação de bem estar. “Eu passei a olhar a cidade de uma outra forma, conhecer a cidade de outra forma, estando também como agente de conexão à aqueles que não podiam sair de casa. Para mim andar de bicicleta é umas das coisas mais prazerosa que faço, ela carrega memórias e consigo identificar coisas da cidade que em um outro veículo eu não consigo identificar.”

Foto: Arquivo Pessoal

“O Aromeiazero foi uma porta de entrada para minha formação, eu não sabia nada de empreendedorismo, eu não sabia nada de como estruturar um negócio e foi uma maneira de abrir espaços para desenvolvimento. Enquanto um negócio de impacto socioambiental positivo, eu sei que quem procura o coletivo são pessoas negras, pessoas em situação de vulnerabilidade e há uma necessidade de acolhimento. O projeto é uma maneira de dar oportunidades e evoluir para que os mesmos também desenvolvam projetos. O Senoritas faz com que pessoas pretas, mulheres e pessoas LGBTQIAP+ possam sonhar e alcançar espaços.” expõe Aline.

Bikeatona e fomento ao empreendedorismo negro

Na linha de promover e fomentar o uso da bicicleta em Macaé, na cidade do Rio de Janeiro, e estimular a segurança da população nas ruas e o uso da bike como modal de transporte e mobilidade, o Instituto Aromeiazero, com o apoio da Ocyan, realiza desde 2021 o Pedala Macaé na Região. A ação faz parte da nova Plataforma Socioambiental da Ocyan, que tem suas linhas de atuação voltadas para a promoção de ações de meio ambiente e desenvolvimento humano. O projeto tem várias ações e uma delas é a Bikeatona, uma maratona de inovação social que selecionou 4 propostas para receberem apoio financeiro de R$4.000,00 para serem desenvolvidas. Uma delas foi o Mulheres de Bike do Pedala Preta, proposto pela técnica em Turismo Cíntia Santos.

Foto: Divulgação

Cíntia e sua equipe contaram com a mentoria do Instituto Amani e do Casulo Consultoria de Impacto para a implementação desse programa, bem como os projetos selecionados. O objetivo do Mulheres de Bike é mobilizar as mulheres, sobretudo mulheres negras, na cultura da bicicleta em Macaé.

Para Cintia da Silva, mulheres pretas não aprendem a pedalar devido a sua renda mensal mínima, e em famílias de baixa renda quando se usam bicicletas, a preferência é que seja dos homens. E já os homens negros, utilizam a bike por necessidade, já que muitas vezes não tem dinheiro da passagem para trabalhar.

“A bicicleta me devolveu o direito de ir e vir, e como mulher negra as únicas possibilidade de emprego que eu entrava era de faxina, e eu queria mais. Eu já havia iniciado um curso de turismo e abandonei tudo para ser mãe, e com a experiência em projetos eu pude voltar para a minha área e trabalhar com turismo, escrevi o projeto Cicloturismo através do Biketur, e tudo isso me proporcionou uma experiência incrível. O Pedala Preta devolve espaços políticos, culturais, e defesa na qualidade do meio ambiente, direito à cidade de ir e vir, esse é o foco.” conclui Cíntia.

Foto: Arquivo Pessoal

Sobre o Aromeiazero

O Aro não fala apenas com os “convertidos”, só com quem já é ciclista ou ama a Bike. Fala com os simpatizantes, os medrosos, os do-contra.

Não é o especialista em bicicletas do ponto de vista técnico, mas sim um admirador e promotor dos benefícios e possibilidades que as pessoas podem ter ao se relacionar com as duas – ou três – rodas.

A bicicleta é um meio para trabalhar outras questões, não um fim em si própria. A partir dela, cria-se a aproximação e admiração necessária para se discutir a autonomia do indivíduo, o desenvolvimento de uma comunidade, a expressão de uma cultura.

Whatsapp: 11 96320-4555 – contato@aromeiazero.org.br

www.aromeiazero.org.br

Sobre o Pedala Preta

Pedala Preta é uma ideia desenvolvida pelo grupo Mulheres de Bike de Macaé – RJ e tem como objetivo mobilizar mulheres, principalmente mulheres pretas, para o poder potencializador da bicicleta. Serão oferecidos passeios guiados de bicicleta em pontos turísticos da cidade, alguns com bicicletas emprestadas pelo projeto e outros para as participantes irem com suas próprias bikes. Fiquem atentas pois em breve lançaremos o primeiro roteiro!

www.instagram.com/pedalapreta

Sobre o Multiplicidade Mobilidade Urbana

O Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana – IPMMU promove conhecimento e transforma pessoas para a construção de cidades melhores. Atuamos nas áreas de pesquisas e dados, divulgação científica e cursos.

www.multiplicidademobilidade.com.brcontato@ipmmu.com.br

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