O caso recente de Jojo Todynho, mais uma vez vítima de comentários racistas por exibir seu cabelo natural, não é um incidente isolado, mas sim a expressão cruel de um racismo estrutural que transforma os fios crespos e cacheados das mulheres negras em alvo constante de discriminação. Quando uma seguidora se refere ao cabelo da cantora como “Assolan” – comparando-o a uma lã de aço –, repete-se um padrão histórico de desumanização que associa traços afrodescendentes a objetos, animais ou algo que deve ser “domado”.
Essa violência simbólica não é nova. Desde a escravidão, quando mulheres negras eram obrigadas a cobrir os cabelos para se adequar aos padrões europeus, até as políticas de “boa aparência” que até hoje vigoram em escolas e empregos, o cabelo natural da mulher negra é tratado como um problema a ser corrigido. Enquanto cabelos lisos são associados a profissionalismo e elegância, os crespos são estereotipados como “desleixados” ou “rebeldes”. A piada racista contra Jojo é apenas a ponta de um iceberg: quantas mulheres negras não ouvem diariamente que seu cabelo “parece bom para passar roupa” ou que deveriam “alisar para arrumar um emprego”?
O agravante é a hipocrisia de uma sociedade que, ao mesmo tempo que rejeita os cabelos naturais das mulheres negras, se apropria deles quando convém. Tranças, dreads e turbantes, historicamente marginalizados, viram “tendência” quando usados por celebridades brancas. Enquanto uma mulher negra é chamada de “Assolan”, uma influenciadora branca com box braids é elogiada por “ousada”. Essa dupla moral escancara como o racismo opera: o que no corpo negro é visto como feio ou inadequado, no corpo branco vira moda.
Jojo Todynho, ao responder com ironia e ostentação – mostrando seu carro de luxo como símbolo de sucesso –, subverte a lógica do racismo. Sua reação não é apenas pessoal, mas política: um lembrete de que mulheres negras não precisam se curvar a padrões alheios para serem bem-sucedidas. No entanto, a necessidade constante de se defender revela o peso que ainda carregam. Em 2024, é inaceitável que uma característica biológica – a textura do cabelo – ainda seja motivo de humilhação pública.
Enquanto casos como o de Jojo viralizam, é preciso ir além da indignação pontual. O cabelo da mulher negra segue sendo um campo de batalha porque sua aceitação significaria romper com séculos de dominação estética. Combater esse racismo exige mais do que repostagens; requer educação antirracista, políticas de inclusão e, sobretudo, o reconhecimento de que liberdade capilar é uma questão de dignidade humana. Até lá, histórias como essa continuarão a nos lembrar: o preconceito não está no cabelo, mas no olhar distorcido de quem ainda não enxergou sua própria ignorância.