O dia seguinte.
Zulu Araújo
Tenho andado muito cético com os descaminhos que o movimento negro brasileiro vem trilhando, nos últimos tempos, notadamente com a onda avassaladora da lacração como meio de ser visto, ouvido e reconhecido como liderança. Os estragos que essa alternativa tem nos causado, com equívocos, adoecimentos e mortes de jovens talentosos, é preocupante.
Mas, no mês da consciência negra, deste ano, tive boas surpresas. Estive em vários estados (Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo), em muitas escolas, universidades, assembleias legislativas, realizando debates e palestras em sua grande maioria com a juventude. E o que vi e ouvi, foi muito interessante e me deixou animado. Vi que minhas preocupações com a paralisia do movimento negro e o anacronismo com que a maioria das entidades e instituições estão tratando a questão racial, também tem sido de muita gente.
E neste sentido, fui surpreendido com dois grandes e importantes eventos que me chamaram a atenção, por apontarem novos olhares e novas perspectivas para o enfrentamento do racismo, tanto no setor público como no privado. O LideraGov, Programa de Qualificação do Governo Federal, realizado pela ENAP – Escola Nacional de Administração Pública, no qual apresentei a “aula magna” do curso intitulado, Igualdade Racial e de Gênero nos cargos de liderança na Administração Pública, foi um deles. Uma ação clara e precisa para qualificar quadros negros/as do primeiro escalão do Governo Federal, com o objetivo de combater o racismo institucional por dentro. Excelente iniciativa, por sinal.
O segundo evento foi Fórum Brasil Diverso, promovido pela Revista Raça, tendo à frente, o jornalista Mauricio Pestana e apoio da Fundação Dom Cabral (uma das maiores escolas de negócio do mundo), que apesar de estar na sua nona edição, apresentou desafios importantes, por meio de discussões, debates e propostas, voltadas para a introdução da diversidade étnica e racial no mercado de trabalho brasileiro, tendo como público alvo, empresas e empresários de setores estratégicos do país.
Exemplo disso, foi a palestra sobre os 20 anos da Lei 10.639/2003 que introduziu na grade curricular do ensino fundamental a história da África e da Cultura Afro brasileira, tratada como uma ferramenta importante para mudar o comportamento das empresas.
Mas, o que me deixou mais animado, nesse circuito, foi a percepção que tive, tanto no setor público quanto no privado de que a armadilha do individualismo, como único caminho para solucionar nossos graves problemas de exclusão social, está sendo duramente contestada. Do mesmo modo que a busca da celebridade a qualquer custo tem encontrado um forte antídoto, particularmente na juventude. Ou seja, o trabalho coletivo, o pensar coletivo e o ousar coletivo, está no horizonte de boa parte da nossa juventude. Vi muita gente preocupada com o compartilhamento de ideias, de experiências novas e compreendendo que ancestralidade não se confunde com tradição, nem muito menos com conservadorismos ou identitarismos.
Aproveito ainda, para agradecer a homenagem da qual fui agraciado, a Medalha Zumbi dos Palmares, pela Câmara Municipal de Salvador, maior honraria da Casa, por meio do Vereador Silvio Humberto.
Agradeço, porque além de ter me deixado muito feliz e grato pelo reconhecimento, tenho certeza de que essa homenagem é também para todos/as aqueles/as que estiveram junto comigo nessa caminhada de mais de cinquenta anos na luta pela promoção da igualdade racial em nosso país.
Afinal, diante de tanta dor que nos invade, por conta do verdadeiro genocídio que vem sendo cometido contra a juventude negra, ser homenageado pela primeira Casa legislativa do Brasil, não deixa de bater fundo no nosso coração e nos levar a pensar que apesar de tudo, vale a pena continuar na luta. Viva Zumbi!
Toca a zabumba que a terra é nossa!