O elevador de serviço é por ali!

Como falar de inclusão, de reparação, de diversidade se não consiguimos, ao menos, habitar o mesmo elevador?

Faz alguns anos, era véspera de Natal, quando saí para encontrar uns amigos, para um café da manhã. Num prédio no Brooklin, bairro chique em São Paulo, toco o interfone.

“_ Olá, vou no apartamento do fulano.”

O porteiro:

“_ É entrega ou você veio trabalhar?”.

“_ Não é da sua conta. Avisa o dono do apartamento que o Juliano chegou.”

Sim. Eu poderia ter sido mais educado. Mas tem hora que o sangue ferve. Escuto, há anos, frases como “o elevador de serviço é por ali”, ou “você é o que do morador?”. Como uma goteira que vai enchendo o balde. E que o Jorge Aragão foi incrivelmente sensível para transformar em música.

Antes de subir para o apartamento, olho o portão de serviço. Uma longa fila de pedreiros espera autorização para entrar no condomínio. Ninguém ali nunca entraria pela porta de visita.

A nossa herança da senzala está viva nos espaços que dividimos, separados para pessoas brancas e pretas, para pessoas ricas e pobres. E os elevadores social e de serviço, sem uma lei específica no país, seguem circulando velhos comportamentos e olhares. O que temos são leis municipais e estaduais que proíbem distinções, como forma de evitar discriminação e racismo. As mais recentes, aprovadas no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.

Quando escuto casos como o do comediante Eddy Jr., vítima de racismo dentro do próprio condomínio, ano passado, não me surpreende. Dia sim, outro também, a pessoa preta que tem um pouquinho a mais de grana, e pode frequentar lugares caros, passa pelo “teste do pescoço reverso”. Gente rica e “bem-nascida” olhando-a de baixo para cima. Como se estivesse diante de um alien. Um fantasma. “Como assim? Tem gente preta até aqui?”  

Veja bem, não quero soar como vítima. Nem estou “chorando de barriga cheia”, como diria o Zeca. Que bom que posso acessar lugares e escolher o prato pelo lado esquerdo do menu. Mas isso não resolve o racismo nosso de cada dia. Pelo contrário, a coisa fica mais exposta. Ainda que sutilmente. 

Na academia do prédio, dias atrás, ouvi o seguinte:

_ Não sabia que você mora aqui? O seu apartamento é alugado? Você mora de aluguel?

_ Oi? Por que você quer saber?

_ Só achei curioso. Você não pode ficar fazendo barulho aqui, tá? Tem muita criança e idoso.

“Preto e dinheiro são palavras rivais? Então mostra pra esses c* como é que faz”. Na hora, lembrei desse trecho de Vida Loka Pt 2 dos Racionais. Preto incomoda. Preto com dinheiro ou poder incomoda mais ainda. Afinal, “como esse cara pode dividir esse espaço comigo?” “Será que é jogador de futebol ou músico?”

Seja no trabalho, no restaurante ou na livraria, a cena se repete, porque a segregação está enraizada na nossa sociedade. E a desigualdade dos acessos é reforçada nos salários, na obtenção de crédito e financiamento, nas oportunidades de trabalho. Pessoas pretas ganham menos que as brancas – no serviço público, nas empresas, como empreendedores. E são a maioria a realizar serviços de menor remuneração, na construção civil e atividades domésticas.

A gente fala tanto de diversidade e inclusão, mas às vezes só precisaria mesmo olhar pro lado e acessar a empatia de se colocar no lugar do outro. A partir daí, ter a coragem de enxergar que relações e comportamentos do passado ainda assombram. E, perguntar, por que alguns rostos ainda entram pela frente e outros pela porta de serviços?

Se quisermos, de fato, botar abaixo a “casa grande” e a “senzala”, temos que olhar para os elevadores social e de serviço, para quem está do lado de cá (de servir) e de lá (do cliente) do balcão. Enfim, fica o convite para encarar a nossa hipocrisia de cada dia. Enquanto não conseguirmos dividir os mesmos espaços, seguiremos com discursos vazios e ações bonitas no papel, tudo para inglês ver.

Colunista: Juliano Pereira

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