O Furacão Angela Davis


Saiu na Raça 211

Irmã de Marielle Franco, que foi citada como símbolo da luta pela liberdade e democracia, Anielle Franco analisa a passagem de Angela Davis pelo Brasil.

por ANIELLE FRANCO

O anúncio de que Angela Davis viria ao Brasil causou um alvoroço. Ela, tão famosa, lutadora, elegante, cheia das palavras fortes e bonitas que toda mulher negra gosta de ler e ouvir, estaria entre nós. Tive o mesmo sentimento de 2018, quando soube que estaríamos no mesmo evento, em Goiânia. Em dezembro, o Encontro Nacional de Mulheres Negras reuniu as mais diversas lideranças do Brasil inteiro. Um encontro inteirinho que mudou minha vida e me fez enxergar a importância de me reconhecer e resistir enquanto mulher negra.

Angela estava radiante e potente como sempre. Fez seu discurso certeiro, emocionou a todas, assinou livros e me reconheceu como irmã de Marielle no meio daquela multidão de mulheres fantásticas. Foi uma explosão de sentimentos ver de perto alguém que eu aprendi a admirar com minha própria irmá que agora, após esse crime covarde, aprendeu também a admirar minha irmã de volta. Esse dia definitivamente entrou para a minha galeria de favoritos e experiência de vida. Terminei o ano com um gosto de felicidade por ter encontrado com ela e sua companheira Gina Dent, e ter aprendido tanto em apenas três dias.

Passaram-se alguns meses. Eu não imaginava que a encontraria e passaria momentos incríveis com ela. Mas sim, aconteceu e foi tudo muito emocionante. Emoção essa que era notória em vários rostos e postagens de diversas mulheres que puderam assistir pelo menos alguma de suas palestras. Ela chegou ao Brasil e sua primeira participação foi em São Paulo. Assisti a essa palestra na internet e confesso que fiquei bastante feliz quando ela citou minha irmã várias vezes e afirmou que “ser uma mulher negra raivosa é bom e normal”. E terminou dizendo que “também pudera não sermos raivosas com tudo que passamos nessa vida” No dia seguinte, eu finalmente encontrei com Ângela e sua companheira, pessoalmente, e pude desfrutar de uma palestra sensacional na escola Florestan Fernandes. Com uma plateia pequena e seleta, ela falou conosco com um ar de surpresa por ser tão famosa no Brasil. Lugar esse que, segundo ela, já tem e teve tantas mulheres fantásticas. Foi emocionante ouvir Ângela citar mais uma vez Marielle e Lélia. Foi incrível ver a reação de cada jovem diante de suas frases marcantes.

As emoções continuaram e, no dia seguinte, Ângela se encontrou com líderes da Coalizão Negra por direitos. Grupo esse de que o Instituto Marielle Franco também faz parte. Discutiu sobre novos avanços e cuidados que devemos ter. Aconselhou, ouviu e ainda nos disse frases motivacionais. Tudo lindo, com muita esperança e cuidado, um fortalecimento mútuo. Mas, no dia 22 de outubro, eu realizei uma agenda juntamente com a Fundação Rosa Luxemburgo com mulheres líderes do movimento negro no Rio, e nós tivemos uma das melhores noites de nossas vidas. Eram ativistas e militantes que hoje lutam e sobrevivem nessa loucura e caos que é o Rio de Janeiro.

Angela nos apoiou, alegrou, assinou livros, tirou foto, e ainda repetiu inúmeras vezes algumas frases ditas por Marielle Franco, minha irmã, durante seu mandato. Um dos momentos mais marcantes foi quando ela disse: “eu sou porque nós somos”‘. Frase que virou mote da campanha da Mari e tomou ruas e redes em sua eleição. Apesar do cansaço, consegui mediar essa mesa e pude contar também com a companheira de Angela. Minha mãe, meu pai e minha sobrinha participaram atentamente de tudo, realizando também o sonho deles de poderem conhecer uma pessoa que Mari sempre admirou.

Após essa mesa, houve um encontro muito especial entre Davis e um grupo de parlamentares negras: Aurea Carolina, Monica Francisco, Renata Souza, Dani Monteiro, Erica Malunguinho, Jô Cavalcanti, Andreia de Jesus e Talíria Petrone. As parlamentares tiveram a oportunidade de compartilhar experiências de seus mandatos e trocar intimamente com Angela. Foi incrível a atenção e carinho que ela teve com cada uma daquelas mulheres.

Ainda na capital carioca, já em clima de despedida, Angela esteve na abertura do 12° Festival de Cinema Negro, Zózimo Bulbul, no Cine Odeon.

Um telão na Cinelândia transmitiu as falas de Davis que contou com comentários da escritora Conceição Evaristo e mediação de Flávia Oliveira.

Nesta noite também recebeu a medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio, entregue pela deputada estadual Renata Souza e Luyara Franco, minha sobrinha, filha de Marielle.

“Sinto-me profundamente honrada de estar aqui, na cidade de Marielle Franco, um lugar que por décadas aguardei para visitar. A cidade do carnaval, do Pão de Açúcar. Mas que eu também aprendi sobre as favelas e desde muito jovem me identifiquei com a história das pessoas que vivem nesses lugares. E agora, poder acompanhar o legado que Marielle deixou para todo esse povo é uma honra”, disse Davis ao agradecer.

Que essa passagem de Angela Davis nos dê ainda mais forças para seguirmos firmes e potentes. Que sua próxima vinda ao Brasil seja mais leve e mais livre, com acesso para todas e todos. Que ela passe por uma favela e conheça a realidade do dia a dia de nosso povo que tanto luta e sofre com esse sistema racista e corrupto.

Mas, enquanto isso não acontece, sigamos com lembranças firmes e nossa luta diária para que Angela continue afirmando que quando nós mulheres negras nos movimentamos, podemos definitivamente mover estruturas.

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