Nos últimos anos, o debate sobre diversidade e inclusão (D&I) ganhou força tanto no meio corporativo quanto nas redes sociais. Entretanto, o que deveria ser um avanço tem se tornado uma nova armadilha: o silenciamento estratégico de profissionais negros sob o pretexto do “risco reputacional”. Enquanto CEOs e executivos brancos contam com ghostwriters e equipes de comunicação para amplificar sua presença digital e consolidar suas carreiras, profissionais negros que tentam ocupar esse mesmo espaço encontram barreiras invisíveis – e cada vez mais explícitas.
A dinâmica é evidente: quando um profissional negro se destaca, conquista espaço e busca assessoria para se posicionar estrategicamente, logo passa a ser visto como um problema. A organização, em vez de reconhecer o mérito, muitas vezes interpreta essa visibilidade como uma ameaça. O que para outros seria um trampolim para novas oportunidades, para esses profissionais pode significar o início de um escrutínio rigoroso, que pode levar a advertências, questionamentos éticos e até desligamento. Não por acaso, aqueles que conquistam maior projeção são frequentemente rotulados como “problemáticos” ou desalinhados com a cultura organizacional.
Recentemente fiz uma pesquisa com centenas de mulheres negras em diferentes posições, confirmaram a gravidade do cenário:
- 90% já sentiram que precisaram reduzir sua visibilidade ou opiniões no ambiente de trabalho por medo de retaliações;
- 83% concordam que profissionais negros com visibilidade são percebidos como ameaça pelas organizações;
- 60% já recusaram convites para palestras, entrevistas ou aparições públicas por receio da repercussão negativa nas empresas em que atuam.
Essas mulheres não estão em início de carreira: mais de 80% possuem pós-graduação, mestrado ou doutorado, e a maioria ocupa posições de média e alta liderança. Ou seja, estamos falando de profissionais altamente qualificadas que, mesmo com um currículo robusto, enfrentam o silenciamento como parte do cotidiano corporativo.
Esse cenário se agrava quando observamos o impacto sobre mulheres negras. Apesar da expertise e do mérito, sua visibilidade frequentemente é alvo de compliance interno, monitoramento ou pressões veladas para se calarem. A prática do “desligamento silencioso” — retirada progressiva de espaços, orçamentos e projetos sem justificativas formais — torna-se um mecanismo de contenção simbólica dentro das organizações.
Em tempos de ESG e alta vigilância reputacional, as organizações estão cada vez mais preocupadas com a imagem de seus executivos. A atuação de líderes nas redes sociais pode ser vista tanto como um ativo estratégico quanto como um risco potencial. No entanto, é preciso destacar: o verdadeiro risco não está na visibilidade em si, mas na incoerência entre discurso e prática institucional.
É legítimo que empresas queiram proteger sua reputação, mas é preciso encontrar um equilíbrio. Silenciar lideranças negras sob o pretexto de evitar crises comunica exatamente o oposto do que se pretende transmitir: que a diversidade é apenas retórica. Em vez de censurar, é necessário orientar, apoiar e integrar o posicionamento dessas lideranças à narrativa estratégica da organização. Ser estratégico nas redes não significa ser neutro — significa ser coerente, responsável e alinhado com os valores que se pretende promover.
Diante desse cenário, muitos profissionais negros têm recorrido a estratégias discretas para preservar sua integridade e influência:
- Criação de redes e grupos de trabalho discretos: coletivos de profissionais negros atuando como núcleos estratégicos para gerar oportunidades, compartilhar conhecimento e construir novas formas de monetização.
- Investimentos e diversificação de fontes de renda: atuação em negócios digitais, ativos financeiros ou parcerias silenciosas que ampliem o impacto sem exposição direta.
- Consultorias e mentorias nos bastidores: uso do conhecimento técnico e estratégico de forma discreta, sem protagonismo midiático.
- Construção de presença digital indireta: criação de conteúdos sob pseudônimos ou por meio de terceiros para preservar a identidade.
- Alianças com influenciadores e líderes estabelecidos: cooperação com figuras públicas que possam amplificar mensagens e ideias sem comprometer diretamente a imagem do profissional.
Construir reputação não é apenas uma busca por visibilidade — é uma estratégia de posicionamento e influência. Profissionais negros não deveriam ser penalizados por se tornarem referência. Quando sua autoridade pública é interpretada como um desafio ao status quo, a organização perde mais do que ganha. A diversidade que não se expressa torna-se apenas uma estatística.
O futuro corporativo tende a se tornar ainda mais desafiador para quem defende pautas progressistas. Nesse contexto, não basta resistir — é preciso agir com estratégia. Construir presença e influência, mesmo nos bastidores, é uma forma de garantir sustentabilidade, legado e poder de transformação.
A pergunta não é se devemos ou não nos posicionar. A pergunta é: como podemos nos posicionar com inteligência e resiliência, sem permitir que o sistema nos silencie?