O jornal, hoje, é negro

 

Jornalista, apresentadora, comentarista, radialista e repórter, Maria Júlia é a mais famosa representação da mulher negra na comunicação Brasileira na atualidade. Conhecida como Maju, é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e já esteve presente páginas da revista RAÇA Brasil ao lado de Joyce Ribeiro (atualmente na TV Cultura) e Luciana Barreto (hoje, na CNN Brasil), na primeira década deste século, Nesta edição especial de aniversário, a RAÇA Brasil  entra para o seleto grupo de revistas que se mantém em circulação por quase duas décadas e meia e não havia melhor forma de comemorar esse feito histórico que mostrar que, o que era promessa, agora se consolida de forma definitiva: A presença feminina e negra no jornalismo de destaque na TV diariamente é uma realidade.

 

Quando começamos a falar sobre Maria Julia Coutinho, a primeira coisa que vem à cabeça é trabalho duro. Ao decidir dedicar-se ao jornalismo, foi estagiária da Fundação Padre Anchieta, passando por várias funções até chegar a repórter. Em 2005, começou a apresentar o Jornal da Cultura, ao lado de Heródoto Barbeiro. Depois, migrou para o telejornal Cultura Meio-Dia, que apresentou com Laila Dawa e Vladir Lemos.

 

Em 2007, assinou com a Rede Globo, retornando inicialmente às reportagens. Seis anos depois, Maria Júlia obteve êxito como apresentadora de meteorologia e ganhou o país, passando a ser a titular do posto apresentando as previsões climáticas do Jornal Hoje e do Jornal Nacional. Sua simpatia fez com que também cobrisse o Hora Um da Notícia e Bom Dia Brasil. Dois anos depois, passou a fazer parte do rodízio de apresentadores do SPTV. Em 2017, assumiu o comando eventual do Jornal Hoje.

Assim como a sede da revista Raça, no Tatuapé, em São Paulo, Maria Júlia também é fruto da Zona Leste, região em que a cultura e a história negra são muito presentes, ou, como em suas próprias palavras, “um outro universo”. “Meus pais fizeram esse movimento, comigo e com meu irmão, de valorizar a nossa raiz na Zona Leste, ter os laços de amizade, mas também sempre explorar a cidade e o Brasil quando pudesse. Então, tivemos sempre uma cultura muito cosmopolita, meu pai sempre passeava com a gente pelo centro, mas muitos laços de amizade por perto. A Nenê foi uma coisa que eu descobri mais adolescente, no início da vida adulta. Foi uma fase da minha vida em que eu passei a frequentar a escola de samba, ir ao projeto Radial [um baile black que tinha no Tatuapé]. Eu acho que não tem mais, porém eu tive uma vivência da Zona Leste e da comunidade negra da Zona Leste”.

Em 2018, passou a fazer parte do elenco do programa Saia Justa, na GNT. Também é apresentadora do Papo de Almoço, da Rádio Globo, às quintas-feiras. Mas foi 2019 que consagraria a carreira da jornalista. Em fevereiro de 2019, Maju se tornou a primeira mulher negra a fazer parte da forma física do Jornal Nacional. Em junho, foi anunciada como apresentadora eventual do Fantástico e, em 6 de setembro de 2019, despediu-se da previsão do tempo do Jornal Nacional e SP2, para apresentar de forma fixa o Jornal Hoje, onde nos encanta todos os dias. Confira a entrevista especial que fizemos com a querida Maju.

De professora para o jornalismo. Como isso começou?
Eu achava que meu caminho profissional seria no magistério, porque esse era o exemplo que eu tinha em casa. Eu fiz magistério durantes anos, e quando já estava no final passei em um concurso na prefeitura de São Bernardo do Campo. Então, por um curto espaço de tempo, cerca de um ano e pouco, eu atuei como educadora. Mas nesse mesmo período eu fiz um teste vocacional e descobri que talvez o jornalismo fosse o meu caminho. Depois dessa descoberta fiz o vestibular para Cásper e também passei, e por cerca de um ano fiquei com essa jornada tripla: estudava jornalismo de manhã, à tarde eu dava aula em São Bernardo [do Campo] e à noite eu ia para a USP cursar pedagogia. Foi quando eu tive um acidente de carro e só então vi que essa era a hora de parar um pouco e ficar só no jornalismo. Esse curto período em que eu dei aulas para crianças foi uma experiência muito interessante, porque pessoalmente eu não me via como professora, diferente da minha mãe, eu não me sentia com essa vocação.

A Cásper Líbero é uma escola de excelência em termos de jornalismo, enquanto a USP é uma das universidades mais concorridas da América Latina. Você que esteve nas duas, como percebe a presença de negros nesses espaços?
Na verdade, tive um colega negro na Cásper, que não chegou a seguir na área e decidiu seguir carreira diplomática. Éramos pouquíssimos na Cásper. Já na USP, na verdade, eu realmente não lembro de ter amigos negros daquela época. Foi muito legal quando eu voltei para falar com os alunos da Cásper, muitos anos depois, e já tinha um coletivo de meninas negras na faculdade, algo que na minha época nem tinha como ter, minha trajetória de encontrar negros no caminho foi sempre muito solitária.

 

Como mulher negra, em um ambiente majoritariamente masculino e branco, você tem enfrentado de forma consistente o debate racial. Como você vê, neste momento, esta discussão?
As coisas mudaram um pouco nestes últimos dois meses. Muita gente, agora, está com esta postura de sermos antirracistas e eu vejo isso com bons olhos. Este ano essa questão ficou bem marcada para mim, e espero que a participação de pessoas nessa discussão perdure, principalmente de pessoas não negras, de brancos também. Percebo cada vez mais as pessoas querendo ouvir, abrindo espaços para a discussão, seja por rede social ou outros meios, para dar voz aos negros. As pessoas estão tendo mais cuidado. Alguns amigos que tinham certa opinião formada sobre questões ou pautas que a gente levantava, gente que tinha essa visão de que era “mimimi”, e agora estão sendo mais cuidadosos.

Tenho uma colega que fica comigo na maquiagem, que diz: “olha, eu queria que você me falasse a sua opinião sobre o assunto x, porque eu não entendo sobre isso”. Agora existe certa humildade nas pessoas de, realmente, reconhecer nos espaços, as nossas opiniões, de entender esse momento de escuta, de reconhecimento, de ter esses questionamentos. É uma coisa que, sinceramente, há cinco anos eu não observava com essa intensidade que estamos vivendo. É uma mudança de comportamento. Apesar de termos uma defasagem em ocupar esses espaços de poder, também já vejo um movimento de maior participação negra. Acho que as coisas estão caminhando, eu tendo a ser otimista e espero que essas mudanças realmente perdurem, mas eu vejo esta virada de página se desenhando.

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jornalista CEO e presidente do Conselho editorial da revista RAÇA Brasil, analista das áreas de Diversidade e inclusão do jornal da CNN e colunista da revista IstoÉ Dinheiro

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