O melhor pai pode ser aquele que você tem

Por: Rachel Quintiliano

TEXTO EDIÇÃO 227

Em agosto celebramos o mês dos pais e lembro que algumas vezes eu pai nos trazia doces. Para mim ele deixava o doce de abóbora e para a minha irmã, um doce de amendoim. Minha mãe, para evitar desavenças já que os doces sempre vinham trocados – em desacordo com nossa preferência, dizia: apenas troquem os doces. E assim fomos fazendo.

Não me lembro de ver meu pai muito preocupado com o meu dia a dia na escola, se eu tinha tudo que precisava para o meu desenvolvimento quando criança. Essas preocupações estavam visivelmente com a minha mãe. Mas, a presença dele era e é, até hoje, inequívoca.

Sou a caçula e, obviamente, a mais mimada. Aprendi a ter orgulho disso, ainda que signifique pouco para uma família negra pobre. Tenho uma irmã com a mesma mãe e outras duas irmãs por parte de pai. Só depois de adulta que fui entender esse negócio de meia-irmã, porque para nós e de acordo com as orientações do nosso pai, éramos irmãs e tínhamos que ser próximas e nos proteger a qualquer custo. Foi assim sempre. Mesmo com nossas diferenças levamos esse ensinamento para frente.

Acho que para os padrões de hoje, para o que encontramos escrito por aí sobre paternidade responsável, meu pai seria eliminado do jogo. Nunca pagou pensão e acho que minha mãe nunca cobrou. Eu também não me preocupei com isso, porque desde cedo entendi que não era problema meu. Os adultos que se resolvessem.

Não me lembro de discutir com ele um problema de escola, ou de ele ter assinado algum boletim escolar ou mesmo ter ido fazer a minha matrícula. Isso pode até ter acontecido, mas de fato não tenho essa memória. Mas, nem por isso, acho que minha mãe assumiu os dois papéis no cuidado com as filhas.

Aprendi que os papéis no cuidado com os filhos e filhas podem ser múltiplos e que a paternidade negra é uma realidade. Acho ainda que o grande legado que meu pai transmitiu para mim e para minhas irmãs foi o conceito de união, de irmandade, de compaixão, de respeito pelos mais velhos e pelos mais novos. Um lugar de diálogo e escuta permanente, ainda que, por vezes, nenhum assunto sério estivesse entre nossas conversas.

Na pandemia, essa relação ficou ainda mais evidente. Mesmo nos encontrando menos e com uma série de restrições, ele se organizava para me receber bem, fazia com antecedência o picles que eu gosto de comer, separava as folhas de chá ou de louro do quintal dele para que eu pudesse levar para casa. Quase sempre saio de lá com a sacola cheia. Da última vez que estive lá até levei uma sacola retornável para facilitar.

Ele sabia que o meu dia a dia de trabalho era extenso e com muitas reuniões e imaginou que eu tinha pouco tempo para cuidar da minha própria alimentação. Então, um dia meu interfone tocou. Era ele. Primeiro fiquei com raiva e apreensiva porque sabia que ele não estava dirigindo e que possivelmente usou o transporte público lotado para chegar à minha casa. Respirei fundo e abri a porta. Ele estava feliz por me ver e passou apenas para deixar alguns potes com comida (panquecas deliciosas), porque imaginou que eu estava sem tempo para cozinhar. Bem, eu disse no começo deste texto que era mimada. Aí está a prova.

Não, ele não é um santo ou um vovozinho fofo. Apronta muito, mesmo com mais de 80 anos e eu não posso pontuar o desempenho dele a partir de padrões de paternidade que, por vezes, estão simplesmente
definidos por uma ideia de “responsabilidade”, que, ao fim e ao cabo, significa pagar contas.

Acho que ser um bom pai passa pela capacidade de desejar ter filhos e filhas, de ter eles e elas por perto, de transmitir valores e aprendizados, de fazer rir, de fazer chorar, de fazer sentir raiva e, ainda assim, com todos os sabores e dissabores, simplesmente amar conviver. Então, se você é filho ou filha, o que posso sugerir é que encontre no seu pai o melhor que ele pode te oferecer. Se você é um pai e, certamente com muitos desafios deste tempo, esteja por perto, sempre.

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