O Mestre do esporte

Filho do jogador de futebol Abel Verônico da Silva Filho e da jornalista Vera Lúcia Oscar Alves da Silva, o repórter Abel Neto parece ter sido destinado ao ofício que escolheu. Mas exercer a profissão que une os universos profissionais do pai e da mãe não foi uma opção tão óbvia. Quem o vê na TV jamais imaginaria que seus planos estavam bem longe da telinha. Toda essa história você confere agora

Conte para a Raça um pouco dessa sua vida, dessa sua trajetória até aqui.
Bom, eu comecei no jornalismo, em 97, trabalhando no diário Lance. Mas antes disso eu lecionava. Sou professor
de inglês, dei aula de inglês, por quase dez anos. Eu me formei em 96 e para resumir a história, nunca tinha trabalhado com jornalismo. Enquanto eu fazia faculdade, eu dava aula, um ano depois, já formado, eu continuava dando aula e surgiu um anúncio. Estava nascendo um novo jornal e eles iam contratar recém formados. Fiz o teste, passei e comecei no Lance. Fiquei oito meses e daí fui para TV. Enquanto eu estava no lance, recebi um convite para ir para a televisão, para a TV Tribuna, que é filiada da Globo na Baixada Santista. Era simples, mas como nunca trabalhei em TV, não tinha experiência nenhuma. Na verdade, quando eu fiz a faculdade, o meu pensamento era trabalhar no jornal impresso que eu gostava mais do que eu imaginava e nunca imaginei que eu fosse trabalhar em televisão.

Mas então como surgiu a paixão pela TV?
Vou explicar para vocês por que eu acho que é relevante eu falar isso. Eu via pouco ou quase nenhum negro na televisão. Já tinha noção naquela época nos anos 90, quando fiz faculdade, terminei em 96. Comecei a trabalhar em 97, então já via que era muito difícil um negro ser chamado, ser contratado, trabalhar em televisão, porque tinha pouquíssimos, como até hoje tem poucos, mas já temos um início de uma mudança. De lá para cá as coisas mudaram e está longe do ideal. E eu jamais imaginei que eu fosse trabalhar em televisão e não era minha vontade. Quando eu fiz a faculdade de jornalismo, foi pensando assim quero trabalhar um dia num jornal e não imaginava que fosse trabalhar em TV, porque eu vi o racismo que a gente vê no dia a dia nas ruas. Eu via também na mídia, não ver uma representação, mas fui convidado pra trabalhar e fui para a TV Tribuna. Lá fui muito feliz, fiquei dois anos e meio praticamente. E lá em meados do ano 2000 eu fui convidado pra ir para a Globo de São Paulo. Fiquei 18 anos. Então, resumindo bem a história, Fiquei 18 anos na Globo, em São Paulo, de 2000 até 2018. Em 2018 eu recebi um convite pra ir pro Fox Sports, então eu pedi demissão da Globo e fui pra Fox. E desde o ano passado que a Disney Comprou a Fox Bem no final de 2020, na verdade. A Disney sempre foi dona dos canais ESPN e com a compra dos canais Fox Sports da América Latina, aí desde então, estou na Disney, na ESPN e muito feliz aqui também.

Naquela época era quase nulo os jornalistas negros na TV. Então quem eram suas referências e inspirações?
Obviamente que os poucos que tinham eu os admirava. O Heraldo Pereira, que depois eu fui conhecer pessoalmente, mas naquela época ele já trabalhava. A Glória Maria, que talvez, tenha sido a pioneira. Provavelmente sim. Os jornalistas esportivos tinham muita gente que assistia e gostava ou ouvia. Eu ouvia muito rádio. Então gostava do Osmar Santos, que eu ouvia muito a Rádio Globo na época. Eu gostava do Caco Barcelos também. Heraldo Pereira, Glória Maria, por serem as poucas referências negras na TV. Eu gostava muito de ler jornal, como te falei. Então tinha Ricardo Kotscho, o próprio jornalista do Jornal da Tarde. Eu gostava muito de ler e me inspirava neles

Como você vê o número de jornalistas negros hoje?
Eu vejo como uma coisa, mais do que obrigatória. Temos mais de 50% de população negra no país. Por que não ter essa representação no jornalismo ou em qualquer profissão? Estamos falando de jornalismo, de televisão ou de jornal, mas eu gostaria de ver mesmo muito mais médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, enfim, todos os ramos da sociedade, inclusive no jornalismo. A representatividade dos negros é algo que só vai vir com oportunidades. Se você não tiver a oportunidade de estudar, como é que você vai ter uma profissão como essa?
Eu vejo com alegria. Quero que cada vez mais as redações de jornais, de rádio, de TV. A mídia de internet tenha a representatividade que o negro tem no nosso país, que é a maioria da população. Vocês sabe que, esses anos todos trabalhando como jornalista em grandes empresas como a ESPN ou a TV Globo, muitas vezes eu fui e sou parado na rua por pessoas negras, homens, mulheres de diferentes faixas etárias. Desde idoso até criança adolescente. Às vezes uma família inteira, às vezes um casal me param para dizer o seguinte: “Olha, quando a gente te vê na TV é uma alegria na minha casa. É um grande orgulho, porque você nos representa.”

O que esse tipo de abordagem significa para você?
Ela me traz dois sentimentos. Me trouxe e continua me trazendo um de alegria de ver que as pessoas têm admiração e respeito por mim, pelo meu trabalho que eu levo representatividade, um exemplo para as pessoas. As pessoas, ao me verem ali, pensam, se ele pode, se ele chegou, eu também posso, eu também vou conseguir. Então isso é muito legal. Por outro lado, eu fico triste. Gostaria que um dia isso acabasse. Que um negro na televisão em uma grande posição como jornalista como qualquer outra, isso deixasse de ser exceção. E seja uma coisa normal. Porque jamais um colega meu, jornalista branco como o Mauro Naves e eu cito ele por que trabalhamos juntos na ESPN e trabalhei muitos anos com ele na Globo. Tenho certeza que jamais alguém chegou para o Mauro e falou: Mauro, que alegria de te ver na TV, porque você nos representa, a nós, brancos e minha família, quando te assistimos. As pessoas chegam para o Mauro, e falam Mauro, eu sou seu fã e gosto pelo seu trabalho. Mas nós, negros, como somos muito poucos, e pouco representados, mal representados na verdade, quando você vê, você fala nossa, você viu um juiz negro? Você via lá o Joaquim Barbosa que falava, Nossa, que legal! Olha o cara na posição que ele tá, né? No superior tribunal, etc e tal. Mas na verdade o que vai me alegrar é quando isso deixar de ser exceção. Então por isso que eu te digo que eu tenho esses dois sentimentos. Acho que isso ajuda um pouco a responder o que você perguntou. Assim como eu vejo esse crescimento, pra mim ele é obrigatório, porque como pode uma população num país que tem a população negra que tem, você ligar a televisão e vê tão poucos? Então isso aí tem que acontecer e eu vejo com alegria. Tomara que melhore e que aumente muito mais e que chegue na real proporção da população negra no Brasil.

Você acha que os casos de racismo nos estádios tem aumentado nos últimos tempos?
Acho que não. Acho que hoje as pessoas denunciam mais. Hoje elas tem um celular, todos nós podemos gravar, postar é aquilo viralizar, então a forma de denúncia hoje é muito maior. Se muitas pessoas conseguem denunciar parece que tem mais casos. Antigamente nada disso essa possível. Eu cobria os jogos em campo! Ouvi diversos ataques racistas, então acho que hoje é muito maior a forma de as pessoas denunciarem isso. Agora eu acho que deveriam ter penas maiores e mais duras aos times nas quais as torcidas cometem esse crime. E não só no futebol, em todo e qualquer esporte. Eu acredito que hoje haja mais campanhas contra o Racismo é isso também é muito bom.

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É uma honra estar aqui espero que possamos nos encontrar mais e mais vezes. A Raça sempre foi e sempre será um grande símbolo para nós negros. Sempre foi um espaço é uma vitrine pra que nós pudéssemos acreditar que “Nós podemos”

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