O Negro e as Olimpíadas

Colunista: Zulu Araújo

As Olímpiadas do mundo moderno é cantada em prosa e verso, tanto pelos seus organizadores quanto pela grande mídia do mundo ocidental, como o espaço virtuoso da união e congraçamento da humanidade. Afirma-se com orgulho e com o peito estufado, que por meio dos esportes, podemos superar todas as desigualdades.

Do mesmo modo, ao Barão de Coubertin (Pierre de Fredy), um aristocrata francês, milionário e conservador, é creditado, com justa razão, a responsabilidade pela sua recriação na era moderna de forma pura e desinteressada, àquilo que veio se nominar de “espírito olímpico”.  

O que pouca gente sabe é que as Olímpiadas que nós conhecemos, diferentemente do que muitos pensam, nada tinha de altruísta ou democrática, nas suas origens, mas sim, a exaltação frenética da superioridade dos brancos diante das demais raças, conforme pensamento explicito do seu fundador:

As raças possuem um valor diferente e a raça branca, essencialmente superior, merece fidelidade de todas as outras”, afirmava o Barão de Coubertin aos quatro ventos.

A materialização dessa ideia está registrada no perfil étnico racial dos 14 países que participaram da primeira Olímpiada do mundo moderno em 1896, na cidade de Atenas:  Alemanha, Austrália, Áustria, Bulgária, Chile, Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Itália, Suécia e Suíça,

Não satisfeito, o seu idealizador demarcou um outro terreno de exclusão: “Os Jogos Olímpicos devem ser reservados para os homens. Uma olimpíada feminina não seria interessante”.

Mas, faltava o recorte de classe: desde o início só poderiam participar dos Jogos Olímpicos aqueles que praticassem os esportes por hobby e não recebessem qualquer valor pecuniário por seus feitos. Ou seja, os ricos, ou os filhos dos ricos da elite colonial de então. Aliás, como o é até hoje.

Em linhas gerais esse é o desenho impresso e seguido à risca durante as primeiras edições dos Jogos Olímpicos da era moderna. Claro que de lá para cá, muita coisa mudou, (inclusive a opinião de Coubertin) muitas barreiras foram vencidas e as olímpiadas se transformaram num dos maiores eventos esportivos da história da humanidade.

Mas, ainda assim, as suas marcas de origem produziram estragos tão grandes ao longo dos últimos 128 anos, que apesar do fascínio arrebatador que a quebra dos recordes e a busca da perfeição nos provoca, exatamente por isso, as olimpíadas de 2024, nos obriga a refletir sobre as razões e os porquês dos Jogos Olímpicos ainda conviverem com um crime hediondo como é o racismo.

Neste sentido, a frase de um dos grandes atletas da humanidade nos chama a atenção: “Havia acabado de ganhar uma medalha de ouro e não podia comer no centro da minha cidade natal”, afirmou Muhammad Ali, campeão olímpico meio-pesado de boxe, na Olímpiada de 1960, em Roma, ao dar uma entrevista para um jornal norte americano.

Na verdade “Interdições marcadas por fronteiras de cor, gênero e classe”, conforme nos explica FERREIRA JUNIOR, Neilton de Souza, em sua tese de doutorado pela USP, intitulada – Olimpismo Negro: Uma antologia das resistências ao racismo no esporte, por atletas olímpicos brasileiro, nos dá algumas pistas neste sentido.

Nas próximas semanas, refletiremos, juntamente com os leitores da Revista Raça, como e porque os Jogos Olímpicos da era moderna, apesar de sua gigantesca importância para a humanidade, levou tanto tempo para compreender que o racismo, a misoginia e a exclusão social, precisavam ser combatidas e não ignoradas, para que assim o espírito olímpico fosse pleno de verdade.

Toca a zabumba que a terra é nossa!   

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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