O que está por trás do debate histórico sobre aborto e não aborto

Autora: Tia Eron

Para discutir sobre, antes precisamos fazer o disclaimer do assunto. Que, por um lado, temos os antiabortistas e os que defendem o aborto sob o argumento de que as mulheres (ser único, que possui essa especificidade de abortar ou não abortar), em sua maioria as que mais sofrem ao acesso à saúde reprodutiva são as meninas e mulheres negras, de comunidade ou rural, favelas que encontram barreiras mil desde o entender que foram estupradas, quando não com poucos recursos tentam o aborto clandestino.

Enquanto que, outras tantas mulheres privilegiadas na condição social e econômica diferente da maioria pobre, escolhem fazer seus “abortos seguros” em clínicas disfarçadas de alto padrão, quando não as clandestinas lucram muito a caríssima vida do bebê e da mulher. Fica claro que não há paridade de armas! Ambas condições são preocupantes e não se eximem de correr o sério risco da morte dessas mulheres aos arrepios da lei que cravou com tinta forte três critérios onde o aborto é LIBERADO NO BRASIL: 1- anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto; 2- gravidez que coloca em risco a vida da gestante; 3- gravidez que resulta de estupro (Art 128 CP) Isso é o que alguns chamariam de padrão ouro.

Como positivista de formação, eu defendo o que está posto, mas reconheço que nada vale às raivosas narrativas sustentadas por ambas opiniões dissonantes no mundo e no Brasil, mais agravado ainda me parecendo uma cortina de fumaça, ou qualquer tipo lisérgico para não resolvermos as questões sociais econômicas de uma população vulnerável purgada a pobreza, cuja gestão de saúde rica por si só como uma grande indústria, o SUS resolve lesões e sequelas de procedimentos malfeitos em ambos aspectos. Mas não gestam os serviços de saúde organizando de modo eficaz para garantir o atendimento das necessidades contraceptivas, e outra a paternidade responsável ainda não faz parte da cultura brasileira, e muitas vezes o parceiro não permite que a mulher faça uso de contraceptivos e se recusa a usar camisinha, não existe suporte psicológico diante dos conflitos que acompanham uma gravidez indesejada, e ainda a falta de escolaridade da maioria da população e a ausência de conhecimento e programas sobre métodos contraceptivos aumentam o número de gravidezes indesejadas… Eu poderia entabular muito mais os problemas que estão de pano de fundo do que o debate superficial da descriminalização x criminalização do aborto.

Antes de escrever, me debrucei sobre a PL 1904/24 de autoria do grande ativista, amigo e irmão Dep. Sostenes Cavalcante (PL/RJ), já aprovado no regime de urgência pela Câmara dos Deputados, faz um feito na lacuna da lei de estabelecer uma margem de tolerância de 22 semanas e agravando a pena para 20 anos. Em suma, seria isso se não olvidasse que essa proposta de Projeto de Lei invalida a legislação já posta no CP. Ou seja, a pena para a mulher estuprada que abortar (previsão legal) será menor que a do próprio estuprador! Ora, as estatísticas aduzem que cerca de 800 mil mulheres por ano praticam aborto de um modo geral. Sendo o quinto no ranking brasileiro causador de morte materna. Logo, diante desses dados, eu não posso ficar blasé a qualquer desafio intelectual dessa temática tão importante para as próximas gerações e quero muito que nessas linhas reflexivas da realidade dos fatos, com tantas nuances e disparidades, o meu soft power possa tocar os leitores para que defendamos os valores fundantes e não ao que aparenta ser!

Tia Eron: Com vasta trajetória no âmbito social e pela luta das mulheres em 20 anos de vida pública, é bacharel em Direito e possui o curso de extensão pela Universidade de Harvard nos Estados Unidos em Desenvolvimento da Primeira Infância. Tia Eron foi a primeira vereadora e deputada federal negra da história da Bahia, bem como a primeira mulher negra do país a ser presidente estadual de um partido político. Atuou como secretária de Promoção Social e Combate à Pobreza no município de Salvador em 2017.

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