O que seria dos caçadores se os leões escrevessem
Por: Mauricio Pestana
Esse provérbio africano resume bem esta edição especial da revista RAÇA Brasil, do mês de outubro. É uma edição diferenciada, única e importante, pois traz vários simbolismos que são muito caros, para nós, neste país de maioria negra, mas que ainda carrega resquícios do período colonial e escravocrata, vivenciado durante mais de três séculos.
Falo do poder da comunicação que ainda não se encontra em nossas mãos, falo também em outras áreas estratégicas como as forças armadas e poder econômico continuam. Todos espaços administrados por brancos, não só no Brasil, mas em outros rincões das Américas construídos com o sangue dos africanos escravizados.
Porém esse sistema podre, centralizador e excludente começa a dar sinais de fragilidade, o que ficou claro na vinda ao Brasil, de Viola Davis e a sua produção “A Mulher Rei”. O filme produzido pela família Viola, ou seja, pela atriz e seu companheiro Julius Tennon, mostra, não só, a saga das mulheres guerreiras de Daomé, mas saga da própria atriz, que investiu alto em uma produção negra, de negros, para negros e brancos assistirem, invertendo este lugar que sempre foi protagoniza- do, em sua essência, pelo mundo branco.
Coincidência ou não, a revista RAÇA desta edição, pela primeira vez, jornalisticamente falando, está representada em duas das suas editorias mais importantes por uma família negra. Assinam a matéria de capa eu, Maurício Pestana, e minha filha Fernanda Alcântara. Já as páginas pretas, minha outra filha Hamalli Alcântara. Além da brilhante entrevista exclusiva da antropóloga e cineasta Sheila Walker sobre o filme “A Mulher Rei”. Ou seja, de nós, conosco e para nós. Isso é uma mudança de paradigma, o começo de uma resposta, intelectual artística e econômica sem precedentes, neste canto do mundo chamado de Brasil, que ajudamos a construir e muito pouco conseguimos usufruir de suas riquezas.
Talvez essa ainda não seja a maneira certa. O ideal seria de nós para todos ou de todos para nós, mas, infelizmente, a desigualdade causada, em grande parte, pela tragédia que foi a escravização dos nossos africanos, explorados por quase 400 anos e deixados à própria sorte, obrigue seus descendentes, neste momento histórico, a serem um pouco egoístas e pensarem dessa forma. A história tem mostrado que, se não formos nós por nós mesmos, como demonstram as cenas finais do filme “A Mulher Rei”, estaremos fadados a prolongar nossa escravização que, hoje, está travestida de miséria, desigualdade e racismo.