O racismo histórico da Espanha
Em meu artigo anterior publicado nesta Revista sobre os atos racistas contra o jogador brasileiro Vini Junior, na Espanha, abordei a questão do cinismo com que os europeus e em particular os espanhóis tem tratado o assunto. Volto ao tema, por considerar que é muito mais grave do que imaginamos o recrudescimento dos atos racistas no continente europeu. Após ver e ouvir a entrevista do Presidente da La Liga, responsável pelo campeonato espanhol, ficou mais claro ainda que entre a ganancia, a arrogância e o combate ao racismo, a La Liga preferiu os racistas. Até mesmo a “cena” de conduzir alguns deles a delegacia e a multa a equipe do Valência já foram revistas.
Só aprofundando o conhecimento sobre a história espanhola para entendermos o que ocorre na Espanha, hoje. Em verdade, foi a Espanha que praticamente inaugurou o racismo no mundo tal qual o conhecemos nos dias atuais. O primeiro documento formal de um país estabelecendo normas para a chamada “pureza de sangue”, surgiu em Toledo, na Espanha, no ano de 1449. O objetivo era claro, de impedir que os cristãos novos e seus descendentes, que haviam se convertido recentemente ao cristianismo pudessem ocupar cargos oficiais no Impérioou na Igreja.
É também da Espanha o primeiro caso de julgamento sobre a Limpeza de Sangue no mundo. Ocorreu na Igreja de Córdoba com o objetivo de identificar se um determinado cidadão possuía origem judaica ou moura. Para quem não sabe, “origem moura” são os africanos islamizados. Apesar desse absurdo, ter sido suprimidoformalmente em 1870, (quase quatro séculos depois), enquanto critério para se ter acesso aos cargos de governo ou da igreja católica, os testes de pureza de sangue continuaram presentes na sociedade espanhola até o século XX, principalmente nas autorizações de migrantes islâmicos, judeus ou africanos para as colônias espanholas nas Américas.
Mas, foi contra os indígenas da América Central, em particular contra os Astecas e Incas que foram praticamente dizimados, onde o racismo espanhol se manifestou com maior força e crueldade. Há relatos históricos, a exemplo do Bispo Bartolomeu de Las Casas, um respeitado bispo da Igreja Católica que denunciam as atrocidades cometidas pelas autoridades espanholas no período colonial. “Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe”, afirmou o bispo em uma de suas denúncias. E o que é mais grave, todas essas atitudes estavam plenamente justificadas a partir do conceito de Guerra Justa, criada em 1570, pela Igreja Católica e o Império Espanhol que permitia a escravização e a morte de todos aqueles que não fossem católicos e se opusessem a sua opressão.
A consequência dessa visão sobre o outro, seja ele judeu, africano, ou indígena, resultou num legado trágico de mais de 30 milhões de indígenas no México durante a colonização espanhola. Além disso, tanto a civilização asteca quanto a inca foram literalmente dizimadas pelos espanhóis, ao longo do tempo. O que ficou e se manifesta até os dias atuais é o a pobreza, miséria e exclusão pelo qual passam os mexicanos, particularmente os indígenasque não conseguem se livrar até hoje.
Portanto, é ingênuo e perigoso, particularmente para Vini Junior, imaginar que as autoridades espanholas serão tocadas pela sensibilidade e justiça e admitirão o seu racismo histórico, adotando medidas para o seu enfrentamento. O racismo está tão internalizado por lá, que nem legislação para combatê-lo existe. Por isso mesmo, nem Vini Júnior nem nós que apoiamos sua luta devemos abrir a guarda. Temos sim, é que ficar de olhos atentos e adotar todas as medidas necessárias para pressionar o governo espanhol a punir os seus racistas.