Era para ser só mais um dia de aula. Mas naquela terça-feira, 29 de abril, uma mãe recebeu a ligação que nenhuma mãe deveria receber: sua filha, de apenas 15 anos, tinha sido encontrada desacordada no banheiro da escola. A suspeita era tentativa de suicídio.
Desde então, a adolescente está internada em um hospital psiquiátrico. E a mãe, sozinha, com três empregos e três filhos, está ao lado dela todos os dias — fisicamente exausta, emocionalmente destruída, mas com uma certeza: sua filha não foi ouvida.
A adolescente estudava como bolsista no Colégio Mackenzie, em São Paulo, e há quase um ano vinha relatando episódios de racismo. Chegava em casa chorando, contava que não tinha amigos, era excluída, ridicularizada. Relatava ofensas como “cigarro queimado” e “lésbica preta”, além de ser alvo de piadas quando a avó a buscava na escola.
As notas caíram. A autoestima também. E mesmo com os alertas da mãe, com e-mails enviados à escola, pedidos de acolhimento psicológico e reuniões com a coordenação, a resposta sempre foi a mesma: “isso é coisa da cabeça dela”.
Uma das coordenadoras chegou a dizer em sala de aula que ela precisava parar com o “mimimi” e com a “síndrome de perseguição”. Como se o racismo que a menina vivia fosse invenção. Como se a dor dela fosse exagero.
Com o tempo, a menina foi se fechando ainda mais. Até que não suportou. Segundo a família, ela também teria sido coagida por outros alunos a beijar um colega no banheiro, enquanto a cena era filmada. Depois, passou a ser ameaçada: se não fizesse o que mandavam, o vídeo seria divulgado. A polícia investiga o caso.
A mãe tentou apoio psicológico dentro da própria escola, mas não havia vagas. “Ninguém fez nada”, desabafa. “Ela só dizia que não aguentava mais. Eu só quero minha filha de volta. Ela tinha tantos sonhos…”
Hoje, a família busca outra escola — uma que acolha, que tenha professores negros, alunos negros, que fale de letramento racial. E, além de um processo contra o colégio, também quer garantir que a filha possa continuar estudando com bolsa, mas em um lugar onde não precise se calar para sobreviver.
A escola afirma ter prestado suporte. Mas a mãe diz que só foi procurada depois que o caso ganhou a mídia.
E enquanto tudo isso é apurado, a pergunta que fica é: quantas vezes uma adolescente negra precisa dizer que está sofrendo até que alguém realmente ouça?
O que essa história revela é algo maior que uma tragédia individual. É o retrato doloroso de um sistema escolar que ainda não sabe — ou não quer — acolher seus alunos negros. Que normaliza exclusões. Que trata denúncias como exagero. Que, em vez de proteger, muitas vezes silencia.
O nome dessa menina poderia ser outro. Poderia ser sua irmã, sua prima, sua filha. Ela só queria estudar em paz. Ela só queria ser respeitada. E quando não foi, tentou desaparecer.
Que essa história não se repita. Que a vida dela seja protegida. E que a dor dessa mãe não seja esquecida.