Na era das redes sociais, onde a exposição é constante e o julgamento é imediato, até mesmo uma declaração contra o racismo pode se tornar alvo de cancelamento. Foi exatamente o que aconteceu com o rapper Borges. Em uma recente entrevista/live, ao ser questionado se gravaria uma música com a cantora Luísa Sonza, ele respondeu de forma direta: “Não gravo com racista.” A frase, embora curta, foi suficiente para incendiar as redes e colocar o nome do artista entre os assuntos mais comentados no X (antigo Twitter), mas não exatamente da maneira esperada.
A declaração do rapper faz referência a um episódio envolvendo Luísa Sonza e denúncias públicas de racismo que circularam anos atrás. Apesar das polêmicas envolvendo a cantora já terem sido amplamente debatidas, e em alguns momentos até “esquecidas” por parte do público, a resposta do rapper resgatou memórias incômodas e trouxe o debate racial de volta ao centro da discussão, mas também acendeu a intolerância digital.
A frase foi interpretada por muitos como uma afronta gratuita ou uma tentativa de “lacração”, gerando uma onda de críticas, ataques e até ameaças ao artista. Durante a live surgiram comentarios como: “Volta pra jaula”. O que era para ser um posicionamento firme contra o racismo acabou sendo deturpado e utilizado como justificativa para excluir e silenciar Borges, revelando um comportamento cada vez mais recorrente nas redes: a seletividade no combate ao racismo e a dificuldade em lidar com vozes negras que não se calam.
É sintomático que um artista preto seja cancelado justamente por se posicionar contra o racismo. A reação desproporcional ao seu comentário escancara como a luta antirracista ainda é vista com resistência quando parte daqueles que a vivem na pele. Não é a primeira vez que vozes negras são silenciadas quando ousam tocar em feridas que a sociedade prefere esconder e, infelizmente, não será a última.
Borges, com sua trajetória marcada por letras que denunciam desigualdades e celebram a vivência periférica e preta, não fez nada além de reafirmar um compromisso ético: não colaborar com quem carrega histórico de atitudes racistas. Sua frase deveria provocar reflexão, não repulsa. Cancelar alguém por dizer “não gravo com racista” diz mais sobre quem cancela do que sobre quem fala.
No fim, fica a pergunta: em que tipo de sociedade estamos vivendo, se até o repúdio ao racismo vira motivo de exclusão?