Onde está a solução dos seus conflitos?

*Fábio Pereira

Tenho para mim que a geração da qual faço parte possui uma poderosa inspiração para se fortalecer em meio à crises, ainda que não percebamos esse poder. Digo isso convicto, pois nascemos durante uma das mudanças mais disruptivas do mundo: a transição do analógico para o digital. A maioria daqueles que, igual a mim, nasceram em 1986, são nativamente desplugados, lineares, mas fomos nos acostumando ao universo virtual com suas idas, vindas e repetições aparentemente sem fim. Nos chamam de Y. Eu rotulo que somos resilientes.

É exercitando minha resiliência e lidando com uma frustração que eu observo o seguinte: minha geração lamentavelmente não olhou para o mundo com o apoio de um Charles Chaplin e suas obras primas como Tempos Modernos e O Grande Ditador. Nem ao menos conseguimos buscar justiça com a contribuição do cinema novo e as ideias inovadoras na cabeça de um Glauber Rocha. Tampouco conseguimos nos encorajar com o empreendedorismo cinéfilo de um Amácio Mazzaropi. Com luto eu digo: não foi a isso que assistimos.

A excursão da minha escola pública levou a nossa turma para assistir ao filme Titanic, sucesso contagiante nos anos 90. Lembro até hoje das cenas controversas para a nossa tenra idade, seja a pintura de um nu artístico, seja as mãos voluptuosas marcando os vidros embaçados de um calhambeque. Fora isso, é nítido na minha memória o estranhamento que me causou o vertiginoso e aquecido comércio de pôsteres do galã DiCaprio nas bancas de jornal. Isso aumentou ainda mais o abismo que separava meus colegas e eu dos corações gélidos das meninas. Olho para essas cenas da vida nostálgico e um tanto surpreso quando noto que algumas das imagens deste evento podem ser muito úteis agora. Celebremos Hollywood!

O conflito é como um iceberg. A superfície é tudo o que enxergamos e tememos. Quando, por exemplo, um casal discute, podemos dizer metaforicamente que na ponta de uma misteriosa massa de gelo se equilibram algumas palavras. A saber: julgamentos, estratégias, jogo de perde-ganha. Este último diz respeito ao seguinte: a maioria de nós aprendeu que quando se discute o nosso dever é ganhar, fazer o outro reconhecer que errou e se desculpar, preferencialmente de um jeito traumático, humilhante, para que finalmente aprenda o que é o certo. Será essa a melhor opção? Há controvérsias.

Sentimentos e Necessidades

Nas mais eficientes técnicas de negociação, dentre elas a Comunicação Não-Violenta (CNV), um de nossos primeiros objetivos é lembrar que o conflito esconde uma estrutura maior do que aquilo que a gente avista. Tal como a grande geleira que levou ao fundo do oceano aquele “inafundável” transatlântico, cada contenda tem algumas palavras submersas, que realmente determinam sua força e, portanto, sua dissolução. Dentre essas palavras estão: sentimentos, necessidades e ganhos mútuos. Esta última diz respeito ao seguinte: aquilo que eu necessito não necessariamente só pode acontecer se o outro abrir mão do que necessita. O segredo é investir energia em criar estratégias que atendam ambas as necessidades. E isso é possível? Sim. Tanto quanto foi possível afundar um navio feito para não ser afundado.

O mediador de conflitos Marshall Rosenberg professou: “Em minha experiência, repetidas vezes pude ver que, a partir do momento em que as pessoas começam a conversar sobre o que precisam em vez de falarem do que está errado com as outras pessoas, a possibilidade de encontrar maneiras de atender às necessidades de todos aumenta enormemente.”

A resposta ao nosso título poderia ser esta: a solução dos seus conflitos está nas profundezas do coração. Nos próximos textos pretendemos esmiuçar mais este tema começando a falar sobre sentimentos e necessidades, não por acaso palavrinhas que estão na base do que chamamos de iceberg dos conflitos.

*Fábio Pereira é jornalista, mediador de conflitos e facilitador de Comunicação Não-Violenta (CNV). Integra a ONG CNV em Rede e coordena a Câmara de Mediação Pacific. Instagram: @fabio.dialogos

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