ONU: Ausência de queixas de discriminação racial não significa inexistência de crimes raciais em Macau

O último relatório da Organização das Nações Unidas contra a discriminação racial aponta para a inexistência de queixas relacionadas com discriminação racial em Macau. Contudo, o organismo ressalva que tal pode denotar a existência de barreiras à apresentação de queixas.

Catarina Vila Nova

catarinavilanova.pontofinal@gmail.com

O mais recente relatório do Comité da Organização das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD, na sigla inglesa), aponta que a ausência de queixas e investigações relacionadas com discriminação racial em Macau não significa que não existam crimes raciais em Macau. Em declarações ao PONTO FINAL, o advogado Sérgio de Almeida Correia defendeu o desenvolvimento de um “regime interno contra todas as formas de discriminação racial”, afirmando que a protecção dos direitos humanos deve ser responsabilidade de toda a sociedade. Yosa Wariyanti, representante da Indonesian Migrants Worker Union, afirmou a este jornal que as empregadas domésticas sofrem de discriminação dos seus patrões e que não apresentam queixa por não saberem como fazê-lo.

Entre 2015 e Junho de 2018, refere o relatório do CERD, não foram recebidas quaisquer queixas nem conduzidas nenhumas investigações criminais relacionadas com discriminação racial em Macau. Contudo, aponta a ONU, “a ausência ou o baixo número de queixas não significa a ausência de crimes de ódio e racismo ou a expressão de ódio racial”, podendo sim indicar a existência de barreiras em invocar os direitos humanos. Entre estes entraves, o organismo destaca a falta de consciencialização do público, medo de represálias e o acesso limitado às autoridades devido a barreiras de linguagem. Neste sentido, o CERD sugere à RAEM que realize programas de formação sobre crimes de ódio racial e que estabeleça procuradores especializados nesta tipologia criminal.

Yosa Wariyanti corrobora as conclusões da ONU ao afirmar que as empregadas domésticas sofrem de discriminação pelos seus patrões. “Existem exemplos de discriminação no local de trabalho. Por exemplo, se o nosso patrão nos repreender por um erro que cometemos e nós tentarmos explicar, ele apenas diz que ‘tu és apenas uma empregada, não fales demasiado, as indonésias são sempre assim’”, revelou a empregada doméstica. Quando questionada sobre o porquê dos trabalhadores não-residentes não apresentarem queixa às autoridades, Wariyanti explica que não sabem como fazê-lo e afirma não quererem “criar grandes problemas”. “Nós somos apenas migrantes e não queremos arranjar problemas”.

O relatório aponta também que, “em Macau, onde residem grandes números de trabalhadores migrantes, a taxa de pobreza aumenta exponencialmente quando se tem em conta o elevado custo de vida”. Assim, a ONU sugere que a RAEM aja no sentido de eliminar as disparidades económico-étnicas, nomeadamente através da criação de medidas especiais para reduzir os elevados níveis de pobreza entre as minorias étnicas. Em relação a este ponto, Yosa Wariyanti recorda que o salário dos trabalhadores migrantes é “mínimo”. Em específico, a representante da Indonesian Migrants Worker Union aponta que o salário das empregadas domésticas ronda as quatro mil patacas, tendo que ser suficiente para “pagar a renda da casa, comida, entre outras coisas”. “Às vezes não é suficiente para viver durante um mês”.

 

“A PROTECÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NÃO É NEM PODE SER EXCLUSIVO DE UMA ÚNICA ENTIDADE”

 

Em matéria legislativa, o CERD sublinha a inexistência de uma “lei doméstica que defina e criminalize especificamente a discriminação racial” e também de “instituições formais de direitos humanos”, ressalvando a existência do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC). Sérgio de Almeida Correia recorda que a legislação de Macau já contempla a proibição de discriminação racial, existindo no Código Penal “um tipo criminal que visa acautelar esse crime nalgumas das suas manifestações”. Porém, o causídico sublinha que o artigo 233º do Código Penal “não contempla todas as formas de manifestação do racismo”.

Por outro lado, o advogado defende o “desenvolvimento de um regime interno contra todas as formas de discriminação racial”. “Muitas vezes não basta a consagração de um determinado princípio. É preciso, depois, que haja o desenvolvimento legal desse regime para poderem ser retiradas as consequências práticas, sob pena dos princípios figurarem nas leis apenas como penacho”, declarou. Sérgio de Almeida Correia afirma também que “a protecção dos direitos humanos não é nem pode ser exclusivo de uma única entidade”. “É matéria que deve ser escrutinada por toda a sociedade e, de preferência, por entidades que não estejam submetidas nem dependentes de um Governo”, declarou.

De resto, o advogado defende que os cidadãos da RAEM devem continuar a lutar pelos direitos humanos no território. “Aos cidadãos de Macau restará apenas continuar a lutar para que todos os princípios vigentes em Macau em matéria de direitos humanos sejam objecto de adequado reconhecimento e protecção legal nas suas diversas configurações, usando os mecanismos legais para chamarem a atenção para o que está mal e urge correcção”.

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