Os números não mentem: o alvo é negro e periférico

As redes sociais têm sido inundadas por ironias, piadas, maldições e impropérios de todas as ordens contra a Covid-19. É como se assim pudéssemos exorcizar esse mal que tem assombrado boa parte do planeta

A maioria dos brasileiros gostaria de se livrar da peste. Na verdade, há outros bastardos inglórios que precisamos nos livrar urgentemente, pois, apesar das peculiaridades que os
vírus possui, não se sabendo bem se são ou não seres vivos, temos
convivido com eles desde que o mundo é mundo.

O que não podemos continuar convivendo é com os verdadeiros abutres que propiciam as condições ideais para que os vírus dizimem parcela de nossa população. Falo das iniquidades brutais que assolam o nosso país e que em momentos como estes, se apresentam com toda força, tendo como suas maiores vítimas, agora que se alastrou pela nação brasileira, pretos e os pobres. Vítimas de sempre da fome, da violência e outros males como dengue, tuberculose, hipertensão,  etc.

Os números, apesar das subnotificações de todas as ordens, visto que o Brasil da pouca educação e muita desinformação, revelam a face sombria da nossa elite. Os primeiros números disponibilizados aqui, indicam que pretos e pardos representam 23,1% das pessoas internadas por Covid-19, mas correspondem a 32,8% dos óbitos no Brasil. Em São Paulo, segundo os dados do Observatório Covid-19 e da Prefeitura, os pretos têm 62% mais chances de morrer pela doença do que os brancos e a concentração das mortes até o
momento está localizado nas regiões que mais habitam pretos e pardos na cidade, Zona Leste e Zona Norte.

A razão dessa concentração é simples. As doenças que favorecem o agravamento do coronavírus estão, majoritariamente, instaladas nas comunidades negras e pobres (favelas e bairros periféricos) e são doenças do tipo: tuberculose, diabetes e hipertensão. Além da alimentação inadequada, fruto da falta de condições financeiras.

“Essas condições socioeconômicas geram maior vulnerabilidade em saúde que vai pesar muito durante a pandemia”, afirma o pesquisador do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Luiz Eduardo Batista.

Assim como as “legiões de imbecis” que infectam as redes sociais e afirmam que o vírus foi produzido pela China para dominar o mundo, com a ajuda do satanás e dos comunistas, a pandemia continua sendo um desafio sem tamanho para todos e está pondo em cheque não apenas os hábitos de higiene pessoal, a limitação da ciência ou a generosidade humana, mas, sobretudo, os modelos econômicos insanos nos quais países como o Brasil foi e está assentado.

É inadmissível que, enquanto estas legiões infectam o Brasil com ódio e insanidades como a volta a ditadura militar, nosso povo seja humilhado nas portas da Caixa Econômica Federal pelos míseros 600 reais, para enfrentarem minimamente o vírus e a fome.

As tentativas de ignorar ou mascarar essa realidade nos levará a uma tragédia monumental, pois dependendo do grau de seriedade com que o governo implemente as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde, milhares de vidas poderão ser salvas ou não. O dramático caso de Manaus não me deixa mentir.

A verdade, nua e crua, é que as desigualdades históricas da sociedade brasileira, está cobrando caro sua fatura: pretos, indígenas e pobres estão pagando com a própria vida pela inépcia e crueldade da elite política e econômica brasileira. Esta é a prova mais cabal de que é falso afirmar que o coronavírus age de forma democrática, atingindo a tudo e a todos igualmente.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

 

*Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da RAÇA, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

 

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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