Os resquícios da ditadura militar

O colunista Moisés da Rocha escreve sobre os resquícios da ditadura militar

 

TEXTO: Moisés da Rocha | FOTO: Divulgação | Adaptação web: David Pereira

O colunista Moisés da Rocha | FOTO: Divulgação

O colunista Moisés da Rocha | FOTO: Divulgação

Com o retorno à democracia, alcançada à custa do sacrifício dos verdadeiros patriotas – muitos dos quais tiveram a própria vida ceifada durante o governo militar -, parecia que caminhávamos para outro estágio de vida, conquistando segurança, igualdade de direitos e demais características de um Estado de Direito. Ledo engano. Os resquícios da ditadura ainda estão na ordem do dia, como as torturas, prisões ilegais e assassinatos perpetrados por agentes do Estado acobertados por seus superiores. Salários indignos, falta de justiça para os necessitados, falta de moradia digna, de hospitais, postos de saúde, transporte, e o extermínio da população negra –principalmente os jovens – por esse Brasil afora. Se olharmos para o resto do mundo, veremos que não estamos sozinhos neste retrocesso: até em países considerados desenvolvidos, como Itália, França, Suíça, Bélgica e Grécia, por exemplo, partidos de direita e ultradireita estão avançando nas urnas, assustadoramente, com suas doutrinas racistas e intolerantes, com suas milícias paramilitares atuando livremente e de forma violenta. Na Alemanha, país que desde o fim da Segunda Guerra Mundial vem lutando para apagar a vergonhosa e ultrajante mancha moral deixada pelo nazismo, incansáveis admiradores de Adolf Hitler exaltam-se com o relançamento do livro “Minha Luta”, escrito pelo führer, como eles gostavam de chamá-lo. O pretexto é de que a obra servirá para melhor se entender a história. Lá, assim como em vários países europeus, o gesto da mão estendida vem se repetindo cada vez mais, sob os olhares complacentes das autoridades.

No Oriente-Médio, milhares de pessoas, principalmente crianças, são vítimas da violência praticada em nome do expansionismo e do fanatismo religioso. Mas o preconceito racial, quase que invariavelmente, também está em jogo. Pior, com o aval das grandes potências que se autodenominam guardiãs da paz mundial.

As cada vez mais frequentes manifestações racistas que vêm acontecendo no mundo inteiro contra jogadores de futebol não são fatos isolados, como alguns ingênuos querem acreditar. Elas fazem parte de algo muito maior, orquestrado. As pessoas estão perdendo o pudor e estão declarando publicamente o seu racismo e intolerância. No Brasil, além do marco dos 50 anos do golpe militar, há outro que também não merece celebração alguma: os 126 da proclamação do fim da escravidão, não por ato humanitário, mas pela resistência e luta dos abolicionistas e, mais ainda, pela falência do sistema da época. Um ato forçado.

Esta é como a anistia, uma abolição inacabada, uma farsa que só favoreceu um lado: o da elite. Os antigos donos de sesmarias, de engenhos de cana-de-açúcar e de cafezais hoje se disfarçam nos intocáveis setores de agronegócios, em construtoras, bancos, hospitais, estabelecimentos de ensino e todo e qualquer ramo que alimente e preserve suas fortunas e privilégios. Enquanto isso, aos anistiados ou pseudolibertos, restam o trabalho semiescravo, o subemprego e a subeducação.

Ao afrodescendente brasileiro não foi dado nem o direito de contar sua própria história. Em nosso país, até hoje, a versão ensinada nas escolas vem da visão deturpada do pseudolibertador e nem sempre contém a realidade dos fatos. Os afrodescendentes precisam rever sua ancestralidade, pelo menos dos quase quinhentos anos de escravidão, para entender melhor o seu presente. Até agora, infelizmente, não há muito a se comemorar.

A luta continua.

 

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