Para as TVs brasileiras – “A morte é uma festa”.

Zulu Araújo

Tomei emprestado este título de um livro importante lançado pelo historiador baiano João José Reis, em 1991, onde ele relata a destruição do primeiro cemitério privado da cidade do Salvador pela população. A multidão que participou dessa violenta manifestação estava enfurecida pelo fato do Governo Municipal ter privatizado os enterros na cidade, fazendo desse ato considerado de fé, um grande negócio lucrativo. De lá para cá muita coisa mudou, as razões sanitárias venceram essa batalha, mas o Governo teve que ceder, promovendo os enterros gratuitos para os despossuídos.

Lembrei-me desse fato ao ver o retorno do Programa Linha Direta, à telinha, onde o caso da menina Eloá, foi revisitado. Tive a nítida impressão que tanto o caso da menina Eloá, ocorrido em 2008, quanto os programas sensacionalistas que pululam nas emissoras televisivas brasileiras, possuem como único objetivo a monetização da vida alheia. Pouco importa que essas pessoas sejam expostas, humilhadas ou mortas, como foi o caso da menina Eloá, o que vale mesmo são os pontinhos de audiências e os milhões oriundos dos anúncios. O programa me alertou ainda para essa insensibilidade monstruosa que grassa em nossas TVs, assim como nas redes sociais. 

Li, vi, ouvi ao menos três vezes o episódio do Linha Direta. Ouvi com atenção o Podcast do programa, e fiquei impressionado com a irresponsabilidade visível da imprensa no trato daquele episódio. Não só a imprensa, pois ela contou com conivência quase que criminosa da Polícia paulista para aquele fim tão trágico. É visível, que o grande objetivo da imprensa, no caso, era o espetáculo que aquele episódio representava. Pouco importava que a garota podia ou não perder a vida. Valia tudo para “bem informar o público”.

E esse espetáculo macabro foi exibido ao vivo e a cores no horário nobre das televisões brasileiras, como se fosse a morte fosse uma grande festa ou talvez mais um capítulo de uma novela das oito.  Para essa imprensa que primeiro monetiza e depois informa, aquilo era apenas mais um folhetim que poderia render milhões de reais a partir da audiência que o sensacionalismo produz. Sob o argumento falacioso da liberdade de expressão e do seu mister de informar ao público, foram desprezados os cuidados mais elementares para com a vida de uma adolescente.  

E o mais grave, é que mesmo com as falas contundentes, tanto do perito (Ricardo Molina) quanto da sua amiga mais próxima (Naiara) que viveu de perto a tragédia, sobre o fato de ter havido sim erros flagrantes na conduta da imprensa e da polícia, o programa preferiu tergiversar sobre o assunto e afirmar que não é hora de se buscar culpados. Posição bastante cômoda para quem foi na verdade coautores desse crime. Afinal, numa sociedade violenta e racista como a nossa, sempre será mais cômodo por a culpa num jovem surtado e do mesmo modo esconder a eterna primeira opção da Polícia pelo confronto, do que falar a verdade.   

Por fim, gostaria de chamar a atenção, que até no trato de um caso trágico como esse as formas distintas de abordagem está impregnada de discriminação. E aí, termino com uma perguntinha clássica: Será que se esse fato tivesse ocorrido com uma menina preta e favelada ele seria revisitado? Ou terminaria como a tragédia do ônibus 174, onde o jovem surtado foi sumariamente executado dentro da viatura policial? A lição a ser aprendida com essa tragédia, não é o “passar pano” que o programa realizou, mas sim que a Polícia e Imprensa precisam compreender de uma vez por todas que grande festa a ser celebrada é a da vida e não a da morte.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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