O segundo domingo do mês de agosto, no Brasil, é reservado para a celebração do “Dia dos Pais”. Um evento com objetivos claramente comerciais, mas acolhido e celebrado pela maioria da sociedade brasileira. Portanto, incontornável.
Por isso mesmo, vale a pena refletir sobre a paternidade negra, no mundo contemporâneo, num país que negou de forma plena e absoluta por quase quatro séculos (386 anos de escravidão) a paternidade aos homens negros. Ou seja, a paternidade para a maioria da sua população.
Ao lado dessa negação, a sociedade brasileira construiu a imagem desses homens, como pessoas desprovidas de afeto e sentimento – Apenas a força bruta.
Em que pese a comunidade negra ter construído, (apesar das precariedades), espaços coletivos de acolhimento e de afeto no campo da paternidade, não esqueçamos que a experiência da paternidade negra “plena” em nossas terras, possui apenas 137 anos. Pós abolição da escravatura.
Não esqueçamos de que era uma política da escravidão separar os filhos dos pais escravizados e vende-los para regiões diferentes de onde viviam.
Portanto, numa sociedade onde o machismo retira do homem, seja ele branco ou negro, a possiblidade de exercer plenamente o afeto e o cuidado, com o argumento de que é uma condição natural da mulher, para o homem negro essa situação é mais grave ainda.
No Brasil, racismo e machismo construíram uma relação poderosa na obstrução do exercício pleno da paternidade negra. De um lado, o homem negro é considerado “naturalmente violento”, portanto, desprovido de afeto, e de outro foi considerado incapaz para exercer sua condição paterna, por conta da escravização.
Nessa condição singular, o homem negro é sempre visto como violento, incapaz de ser vulnerável ou sensível e um suspeito permanente de toda e qualquer atrocidade, que ocorre em nossa sociedade, pura e simplesmente em razão da cor de sua pele.
Exemplo atual nesse sentido, e que tem sido intensamente denunciado, pelos meios de comunicação, é a imputação por parte da polícia, de crimes a homens negros, exclusivamente por meio do reconhecimento fotográfico, sem que haja nenhum outro elemento de identificação. O número de vítimas desse racismo institucional tem crescido assustadoramente.
Essa injustiça, aliada com a crueldade dos grupos de extermínio, também fruto dos estereótipos existentes em relação ao homem negro em nossa na sociedade, revela o quão grande são os desafios a serem enfrentados.
Esses filhos, que logo, logo serão país, são quase sempre vistos como “bandidos”, “mendigos”, “estupradores” e consequentemente, passíveis de serem eliminados.
Daí que a luta contemporânea por uma paternidade negra plena, exige, desde o primeiro momento, o rompimento com o racismo, a discriminação racial e o machismo.
Nesse sentido, discutir a paternidade negra, não é apenas exercício de uma reflexão abstrata. Em verdade, envolve tanto a desconstrução dos estereótipos a que os homens negros foram submetidos, assim como a construção de paternidades negras positivas. Isso porque, apesar das condições sociais adversas a que os homens negros foram e são submetidos ao longo da história, esse fato não os exime das responsabilidades contemporâneas que a paternidade exige.
Ou seja, paternidade negra, não diz respeito apenas a criar filhos, dar-lhes carinho e afeto, protege-los e prover a casa das condições necessárias para que tenham uma boa educação, boa saúde e boa alimentação.
Paternidade negra, é também enfrentar os desafios impostos pelo racismo, pela discriminação racial e pela desigualdade social. E um dos primeiros passos nessa caminhada, é a superação do nosso passado.
Toca a zabumba que a Terra é nossa!
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