Pelé assim como um faraó é imortal

ESCRITO POR MARCELO GENTIL

“O corpo a morte leva

A voz some na brisa

A dor sobe pr’as trevas

O nome a obra imortaliza”

Pelé e o Olodum são dois dos maiores símbolos brasileiros, tanto dentro, quanto fora do território nacional. Além disso, tem algo mais com capacidade de unir estes dois entes icônicos. A negritude, evidentemente! No que pese ser evidente que o rei do futebol nunca ter jogado o seu prestígio e visibilidade internacional para fazerem coro aos enseios, reclames e reivindicações dos afro-brasileiros, o Olodum aprendeu com pessoas como Lélia Gonzáles, Addias Nascimento e Joel Rufino, a usar as tribunas internacionais que tem acesso, para chamar a atenção sobre as mazelas que afligem ao povo negro brasileiro. 

Abrir este pequeno texto com o trecho inicial da composição Súplica, parceria da dupla João Nogueira e Paulo César Pinheiro, gravada em 1979 pelo sambista Nogueira, revela bem o “Poder da criação” (dos mesmos autores).

            Na tarde de 29 de dezembro de 2022, a morte levou o corpo de Edson Arantes do Nascimento, um brasileiro como outro qualquer, cheio de méritos e deméritos, como todos nós. A voz do homem de Três Corações (sua cidade natal), que sempre usou a terceira pessoa para diferenciar o homem Edson, da lenda Pelé, vai, como vaticinou Pinheiro e Nogueira, sumir na brisa. Apesar disso, a lenda Pelé, ainda em vida, foi imortalizada pela sua obra.

            “Não! Ninguém faz samba só porque prefere/ Força nenhuma no mundo interfere/ Sobre o poder da criação”. Igualmente, ninguém joga futebol só porque merece ser um craque e, com isso, ter uma remuneração descomunal para os padrões dos simples mortais.

            Pelé, não criou o futebol e nem “preferiu” jogar bola. Foi levado a isso pelo seu pai, Seu Dondinho, apelidado de “Maleável”, pela facilidade e elegância que subia para o cabeceio, certamente, esse foi um dos fundamentos ensinados ao seu filho Dico (apelido familiar de Edson). Dondinho jogou em um time de Itajubá-MG e foi jogador do Bauru Atlético Clube em São Paulo, o que posteriormente propiciou a aproximação do pequeno Dico às divisões de base do Santos, que poucos anos depois, começou a imortaliza-lo com Pelé, transformando-o, mais tarde, em rei do futebol.

            Não preciso repetir que Pelé foi o maior jogador de futebol do mundo em todos os tempos, por dominar de maneira magnífica todos os fundamentos do futebol: passes curtos, longos, bicicleta, voleio, cobrança de falta em curta e longa distância, chutes potentes com a esquerda e a direita e o cabeceio elegante, sutil, maleável e mortal. Todas as pessoas estão repetindo isso. Pelé, assim, como Michael Jackson, Charlie Chaplin, Picasso, Vaslav Nijinsk e o próprio Olodum, são únicos em suas artes. Todos dotados de técnicas extraordinárias, que sempre usaram com encantadora maestria na execução dos seus ofícios.

            Em 1987, Pelé foi uma das 750 mil pessoas que assistiram no Central Park, em New York, ao concerto de Paul Simon com o Olodum. Em 2006, quando o Olodum realizou nos Portões de Brandemburgo o show de abertura da Copa do Mundo na Alemanha, Pelé subiu ao palco e declarou: “Eu estava lá quando vocês fizeram o show com Paul Simon em New York e tenho o disco lá em casa. Isso é uma coisa maravilhosa… Nós estamos hoje aqui, representando o Brasil… botando o Brasil lá em cima e  não botando o Brasil lá em baixo… Olodum. Eu amo vocês![1].

            Não o mortal Edson Arantes. Mas, Pelé, um cidadão negro brasileiro é uma das marcas mais poderosas do mundo. Por conta dele, o Brasil e muitos brasileiros são identificados no exterior e, por isso, conseguem, literalmente, sair de perrengues que costumam afetar a qualquer gringo do terceiro mundo em terras estranhas. O Olodum, com um pouco mais da metade da idade da lenda Pelé, já tendo visitado a 43 países enquanto banda e mais de duas dezenas fazendo diplomacia cultural (realizando workshops, palestras etc.), de certa forma e, sem fazer samba-reggae só porque merece, se transformou nos dias atuais, em uma das marcas brasileiras mais conhecidas internacionalmente. Provavelmente, ficando atrás apenas de Pelé e da Seleção Brasileira.

            Assim como a obra futebolística de Pelé o tornou eterno e projetou o Brasil para o mundo, a obra musical do Olodum, ao seguir os mistérios do Antigo Egito, projetou e uniu o Pelourinho, uma pequena comunidade em laços de confraternidade. Que assim como a lenda Pelé, cuja psicostasia representada pela balança de Osiris no juízo final atestou que o seu coração é mais leve que a pena de uma ave e, por isso, merece a vida eterna, que o Olodum, igualmente, siga a sua jornada no caminho da eternidade.

            Que o rei Pelé siga eterno como os faraós do Egito!


[1] Veja depoimento em https://www.youtube.com/watch?v=mUynNj7OVj8. Acesso em 30/12/2022.

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