Por dentro do PCC
Joel Zito Araújo fala sobre seu trabalho na HBOMAX
Entrevista: Jaice Balduino e Luan Lima
Contada pelo próprio Geleião em depoimento ao promotor Márcio Christino (um dos principais investigadores do PCC no País), essa história está documentada na série “PCC: poder secreto” (2022). A obra aborda a origem e os desdobramentos da facção, além dos bastidores do sistema prisional brasileiro. Baseado no livro “Irmãos: uma história do PCC” (2018), do cientista social Gabriel Feltran, o documentário seriado em quatro episódios pode ser assistido no serviço de streaming HBO Max. Com direção de Joel Zito Araújo que é cineasta, escritor, professor, diretor, produtor executivo e roteirista de filmes de ficção e documentários, programas de TV, vídeos educacionais e institucionais. O mineiro foi entrevistado pela RAÇA exclusivamente, que falou sobre sua experiência dirigindo o documentário.
Saiba detalhes da entrevista a seguir:
RAÇA: Entrevistar pessoas diretamente envolvidas na história mostra a realidade de como todo esse sistema funcionou. Como foi estar de frente com um dos comandantes dessa facção?
JOEL: Em todas as situações em que tive oportunidade de estar em contato com o pessoal do alto escalão do PCC, a situação foi de normalidade no trato. Eles foram curiosos e cordiais, naturalmente queriam saber quem eu era, o que tinha feito antes, e como seriam retratados na série. E eu explicava a nossa intenção exatamente como seria, em um “papo reto”, sabendo bem, como diz um dos nossos entrevistados, que “a palavra não faz curva na cadeia”. Não se brinca com isto. Eu explicava nossas intenções de fazer uma série que daria voz à Facção, mas que buscaria uma narrativa equilibrada mostrando o ponto de vista dos vários lados envolvidos
RAÇA: Todos nós sabemos, que o tratamento da polícia é na sua maior parte violenta, especialmente com os negros. A série mostra esse lado da história?
JOEL:Sim, teríamos de fazer muito esforço para negar isso. Infelizmente, a maior parte da polícia parece ter sido treinada para ser desconfiada e muitas vezes brutal e racista no trato com os jovens e homens negros. E este é um dos motivos que fazem o PCC crescer.
RAÇA: Você afirma que o PCC foi entendendo que o confronto era contraproducente para os negócios. Em que ponto, você acha que o PCC teve essa guinada no pensamento?
JOEL:Eu creio que o PCC aprendeu com a onda de ataques que desencadeou em SP em maio de 2006, e as consequências que sofreu por ter feito isto. Especialmente, a partir daí entendeu que este tipo de confronto era ruim para o crescimento da organização criminosa e para seus negócios e lucratividade.
RAÇA: A unidade foi chamada muitas vezes de “campo de concentração” devido às torturas que aconteciam no local. O que você sentiu ao ouvir relatos de como era todo esse sistema?
JOEL:A unidade de Taubaté, onde nasceu o PCC, era reconhecidamente aquela mais cruel com os presos. O próprio estatuto do PCC a classifica assim, de “campo de concentração”. O profeta Gentileza no Rio costuma dizer “gentileza gera gentileza”. O contrário também é verdade, “violência gera violência”.
RAÇA: Quais expectativas para o documentário, o que você procura causar na sociedade?
JOEL: O Brasil precisa conhecer o Brasil, e a dimensão da criminalidade é uma realidade que parece paralela, mas está aí, no nosso cotidiano, do outro lado dos bairros que vivemos. Por outro lado, creio que se expandiu uma visão incorreta no Brasil de como combater a criminalidade com uma política de encarceramento indiscriminado e massivo, e de desrespeito dos direitos humanos, que normalmente só atinge os mais pobres, mais negros ou indígenas. Tudo isto alimentou e alimenta o crescimento do PCC.
RAÇA: Quando se fala da letalidade da polícia, e de como as mães dos jovens encaram isso, foi difícil fazer com que elas se sentissem à vontade para falar de um assunto tão delicado?
RAÇA: Você achou que o documentário retrata todos os pontos que você queria?
JOEL: Sim, foi uma experiência intensa, com muitos bons profissionais envolvidos. Muito enriquecedor para mim e todos nós.
JOEL: Não, elas falaram tanto da letalidade de uma parte considerável da polícia como também de muitos envolvidos com o crime. Tem um depoimento muito forte de uma mãe que perdeu um filho para a violência racista e corrupta de policiais, e um outro para a brutalidade do crime organizado. Não existe nenhuma condescendência.
RAÇA: Você pôde observar algum arrependimento vindo do Macarrão?
JOEL: Sim, é evidente que ele se arrependeu, e também sabe que a natureza e volume dos seus crimes vai permanecer por muito tempo na prisão.
RAÇA: Qual a visão que você tem do PCC agora?
JOEL: É uma organização de criminosos, voltada para fortalecer o crime. Na sua primeira fase foi também uma espécie de organização sindical para defender os interesses e direitos humanos dos presos. Hoje é mais uma grande organização capitalista que explora o tráfico internacional de drogas, cheia de pessoas inteligentes e competentes. Mas, apesar do “proceder”, do seu código de honra, que muitas vezes é melhor do que do que os policiais que fazem uma câmara de gás na traseira da viatura para matar um homem negro, é uma organização criminosa, voltada para fortalecer o mundo do crime, que não é o nosso. Não tenho nenhuma simpatia com o mundo do crime, seja ele do PCC, das milícias, ou do colarinho branco.
Veja trailer do documentário: