Por que a Pirelli escolheu só personalidades negras para seu novo calendário .
Na edição de 2018, a drag queen RuPaul, a modelo e ativista Adwoa Aboah e as atrizes Lupita Nyong’o e Whoopi Goldberg aparecem como personagens de ‘Alice no País das Maravilhas’
Há 30 anos, o calendário da marca italiana de pneus Pirelli, tradicional artigo de decoração de borracharias e mecânicas pelo mundo, estampava 12 fotos de mulheres seminuas. Todas negras. Para o ano que vem, a empresa fará o mesmo: a publicação vai contar apenas com figuras que se identificam negras, mas desta vez a nudez sai de cena e as escolhas do tema e das modelos — homens e mulheres — não têm mais por objetivo único o de agradar o público masculino. Foram escalados o premiado fotógrafo Tim Walker e Edward Enninful, editor recém-empossado da versão britânica da Vogue — o primeiro negro no cargo em mais de 100 anos da história da revista. Enninful criou os figurinos desta edição do calendário que teve um tema especial. Walker decidiu fazer a sua própria versão de “Alice no País das Maravilhas”, livro de Lewis Carroll, trocando os personagens (originalmente ilustrados como brancos) por personalidades negras — inclusive o Coelho Branco. Ao jornal The New York Times, Walker disse que a decisão pelo elenco negro foi ideia sua, e não da Pirelli, a qual foi motivada por um desejo de fazer algo inédito.
Quem faz parte do novo calendário
Quem assume o papel da protagonista Alice é a modelo australiana e sudanesa Nyadak Duckie Thot. Sua rival, a Rainha de Copas, é feita por RuPaul, estrela do reality show americano de drag queens que leva seu nome. A personagem da lagarta coube à cantora e estilista Zoe Bedeaux. A consagrada atriz americana Whoopi Goldberg ficou com o papel de Duquesa, enquanto Lupita Nyong’o, atriz mexicana e queniana, fez a roedora Arganaz.
A modelo Slick Woods fez o Chapeleiro Maluco, a sul-africana Thando Hopa e a a sudanesa Adut Akech ganharam os personagens inventados de Princesa de Copas e Rainha de Ouros. Adwoa Aboah, modelo e ativista feminista ganesa e britânica, se vestiu de uma versão de Tweedledee; enquanto o ator Djimon Hounsou, do Benim, foi o Rei de Copas. A atriz americana Sasha Lane se fantasiou de Lebre de Março.
Foi chamada também a ativista Jaha Dukureh, de Gâmbia, vítima de mutilação genital quando criança e, hoje, presidente da organização Safe Hands for Girls, que combate a prática – até o momento, seu personagem não foi identificado pela empresa. Por fim, como soldados da rainha e “decapitadores”, Walker escalou a modelo britânica Naomi Campbell, o rapper americano Sean Combs, e os modelos Alpha Dia (senegalês) e King Owusu (britânico), que também é ilustrador.
Mais fotos dos bastidores podem ser vistas nesta galeria no site do The New York Times e no da própria Pirelli, que ainda não divulgou as fotos definitivas de cada mês.
Mudança de rota Com a edição de 2018, a Pirelli faz sua terceira edição de calendário destoante daqueles com modelos nuas e seminuas. Em 2016, a publicação surpreendeu ao apresentar mulheres não pelo seu corpo, mas em razão de seus feitos. São exemplos da edição a escritora Fran Lebowitz, a tenista Serena Williams e a diretora de cinema Ava Duvernay. Na edição seguinte, em 2017, o calendário retratou mulheres de idades diferentes (como as atrizes Helen Mirren e Nicole Kidman, com seus respectivos 71 e 49 anos), em fotos sem grandes produções ou maquiagem. “Nós vemos hoje todas essa gente que quer ser jovem e perfeita (…) Para mim, beleza é alguém que consegue dizer sim para si mesma”, disse Peter Lindbergh, o fotógrafo à época. Já com a edição deste ano, além da pitada conceitual ligada ao universo fantástico de Lewis Carroll, colocar como alvo a questão racial solidifica a guinada dessa publicação, que é vista como dona de grande valor simbólico. O rapper Sean Combs, por exemplo, disse que a coisa toda foi “uma chance de provocar consciência social e quebrar barreiras”. “Por muitos anos, algo assim nunca teria acontecido no mundo da moda”, opinou. Já a modelo Nyadak Duckie Thot disse sentir “orgulho de fazer parte de algo com uma mensagem tão importante sobre orgulho e autorrealização [self-expression]”. A modelo e ativista feminista Adwoa Aboah também comentou a “mudança de direção da Pirelli” e diz que tudo indica que se trata de uma observação do que a atualidade exige, bem como “para onde os jovens estão indo e que tipo de imagens devem estar lá. Nós não precisamos de mais pin-ups, e esse elenco realmente retrata novas ideias sobre o que é o belo. E ele certamente não significa não vestir roupas”.
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