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Por que sua escolha na prateleira pode mudar a lógica da reciclagem no Brasil

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Lucio Vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

Você sabia que existem diversos tipos de embalagens produzidas que não são recicláveis e isso prejudica o meio ambiente e a condição de vida de milhares de pessoas?

No Brasil, o design de embalagens que ignora a reciclabilidade se mostra profundamente irresponsável quando observamos o destino dos resíduos: em 2023, foram geradas aproximadamente 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o que equivale a cerca de 382 kg por habitante por ano. Desse total, 69,3 milhões de toneladas foram encaminhadas para disposição final — ou seja, 86 % do lixo produzido passou por algum tipo de destinação, adequada ou não. Infelizmente, apenas 58,5 % desses resíduos foram levados para aterros sanitários legalizados, enquanto 41 % acabaram em lixões, aterros irregulares, terrenos baldios, valas e córregos — locais que agravam os impactos ambientais e sanitários (Abrema).

Mesmo que a taxa de reciclagem tenha dobrado entre 2022 e 2023, atingindo cerca de 8 % do total gerado, essa proporção ainda está longe de dar conta do problema — o que representa aproximadamente 6,7 milhões de toneladas, resultado da soma da coleta pública regular com o trabalho informal dos catadores (Abrema). Em 2024, o relatório desta mesma instituição aponta avanço tímido: a destinação ambientalmente adequada (em aterros sanitários) atingiu 59 %, mas ainda é inaceitável que 35 % dos resíduos continuem sendo enviados a lixões, mesmo após o fim dos prazos da Política Nacional de Resíduos Sólidos

Quando há padrão de produção e viabilidade financeira, o mercado se interessa e paga por isso. O alumínio é o melhor exemplo: trata-se de um material altamente reciclável, que mantém suas propriedades mesmo após sucessivos ciclos, além de apresentar alta demanda da indústria e preços atrativos na sucata. Por isso, as latinhas de alumínio fazem parte dos resíduos mais bem remunerados, apoiadas por uma logística reversa estruturada e pela atratividade econômica do material.

As garrafas PET também são resultado de um mercado consolidado que, quando transparentes ou verdes, têm grande procura como matéria-prima para novas embalagens e fibras têxteis. Contudo, esse potencial se perde quando o PET recebe colorações escuras ou fora do padrão, o que reduz seu valor de revenda e, consequentemente, a demanda por resina reciclada.

Todo esse contexto mostra que, no final do tubo, ou melhor, no final do processo de descarte, quem sofre com isso são os catadores e catadoras, que têm um enorme trabalho de separação e convivem com uma enormidade de embalagens que não serão recicladas, porque a mesma indústria que fabricou uma embalagem sem reciclabilidade não a recompra. Dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estimam a existência de cerca de 800 mil catadores no Brasil, sendo 70% mulheres, e apontam que seu trabalho é responsável por quase 90% de tudo o que é reciclado no país.

O mais interessante é que, antes de ser criada, uma simples embalagem passa pelo trabalho de inúmeros profissionais em uma empresa. Se não bastasse, quem cria e quem compra para revender também ignora essa responsabilidade. A vigilância e o bloqueio de embalagens sem reciclabilidade deveriam ser regra na indústria e no comércio, porque embalagens são desenhadas, “prototipadas” e aprovadas por várias áreas antes de chegar ao consumidor, e a escolha de características de material, como composição e cor, entre outros atributos, definirá se uma cooperativa de catadores conseguirá capturar, processar e revender o material.

Um movimento muito interessante que tem acontecido nas redes sociais é o de catadores e catadoras influenciadores. Basta uma rápida pesquisa para descobrir canais nos quais, pouco a pouco, profissionais têm evidenciado quais produtos são recicláveis, isto é, possuem mercado para serem recomprados e retornarem ao sistema produtivo, e quais acabam destinados aos aterros sanitários ou lixões.

Do nosso lado, como consumidores, nada melhor do que conhecer os tipos de embalagens e optar por produtos idealizados e produzidos com o propósito de gerarem valor em toda a cadeia e de serem recomprados no final. Embalagens pensadas com o princípio de circularidade têm o poder de gerar renda e criar um movimento que possibilite o desenvolvimento socioeconômico de milhares de trabalhadoras e trabalhadores que pagam sozinhos o resultado de um pensamento linear, arcaico e completamente oposto às necessidades socioambientais que temos.

Enquanto ainda convivemos com a ineficiência da legislação, da falta de incentivos econômicos, e vários outros fatores que promovem essa história, nada como ampliar a nossa consciência e usar o poder da nossa escolha para valorizar produtos que promovam o melhor impacto socioambiental possível.

 

Essa publicação é fruto de uma parceria especial entre a Revista Raça Brasil e o Fórum Brasil Diverso, evento realizado pela Revista Raça Brasil nos dias 10 e 11 de novembro, que celebra a diversidade, a cultura e a potência da música negra brasileira. Não perca a oportunidade de participar desse encontro transformador — inscreva-se já www.forumbrasildiverso.org

 

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